segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Rubem Grilo, xilogravurista



Breve biográfica de Grilo:

Rubem Campos Grilo nasceu em Pouso Alegre, Minas Gerais, em 1946. Antes de completar 18 anos de idade, ele se transferiu para o Rio de Janeiro. Em 1969, ele se formou em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

No ano seguinte, foi para Volta Redonda e freqüenta, por um curto período, o curso de xilogravura, com José Altino, na Escolinha de Arte do Brasil. Em 1971, mudou para o Rio de Janeiro e durante dois meses cursou a Escola de Belas Artes.

Na Biblioteca Nacional, Grilo conheceu a obra dos gravadores Lívio Abramo, Marcelo Grassmann e Oswaldo Goeldi.

Em 1972, freqüentou, com intervalos, o ateliê de xilogravura da Escola de Belas Artes, orientado por Adir Botelho, o ateliê de Iberê Camargo, no qual aprendeu as técnicas de gravura em metal, e participou do curso de litografia com Antônio Grosso, na EAV/Parque Lage.

Em 1971, realizou as primeiras xilogravuras e a partir de 1973, ilustrou os jornais "Opinião", "Movimento", "Jornal do Brasil" e "Pasquim", entre outros.

No início dos anos 80, ele trabalhou para a Folha de S.Paulo e ilustrou os fascículos da coleção Retrato do Brasil. Em 1985, lançou o livro "Grilo: Xilogravuras".

Em 1990, recebeu o segundo prêmio da Xylon Internacional, Suíça. Em 1999, atuou como curador geral da mostra Rio Gravura.

sábado, 8 de outubro de 2011

Edson Garcia Flosi: repórter destemido


Vou falar sobre uma categoria que anda em crise nos últimos tempos: o repórter policial. Era esse o ofício diário de Edson Garcia Flosi - meu professor de Legislação e Práticas Judiciárias no 3º ano do curso de jornalismo da Cásper Líbero, em 2009. Flosi já estava com problemas de saúde e precisou se tratar. Tirou licença e parou de lecionar. Minha turma foi a última dele.

Hoje em dia são raros os repórteres que se dedicam exclusivamente à cobertura de assuntos criminais. Em São Paulo, creio que só há uma meia-dúzia de (bons) repórteres de jornal. Os veículos não têm mais dado atenção especial a esse tipo de assunto, de maneira que "qualquer repórter" ou "todo repórter" pode cobrir esse assunto.

Atualmente, um repórter dessa área recebe do pauteiro variados assuntos, que vão da agenda do Kassab à chuva que inundou o piscinão do Grajaú (inventei isso: não sei se existe um piscinão naquele bairro), passando, claro, pelos crimes da cidade. Eu, particularmente, acho isso errado. Antigamente, coisa de 15 anos pra trás, os jornais possuíam repórteres policiais fixos, ou seja: profissionais que eram destacados para acompanhar somente a cobertura criminal. Consequência: as histórias eram muito mais bem apuradas e contadas muito melhor. Você se prende na no texto de antigamente, percebe o estilo de contar de cada um. Sei que subjetividade no fazer jornalístico é tema de muita discórdia, mas acredito que pode haver estilo em cada texto, na maneira de narrar etc., desde que se preze pela imparcialidade dos fatos.

Edson Flosi era "o preferido de Cláudio Abramo (nas coberturas policiais), diretor de redação da Folha de S.Paulo nos idos de 70. Flosi se destacou por cobrir as operações policiais do delegado Sérgio Paranhos Fleury, diretor do Deic, acusado, dentre outros processos, de comandar o Esquadrão da Morte, responsável por centenas de execuções pelo estado de São Paulo.

Flosi também publicou reportagens na Folha que denunciaram graves irregularidades no IML de Guarulhos, denunciou haver premiações, dentro do Deic, dadas aos "bons" torturadores. Por conta dessa série de reportagens, seu filho, Edson Costa Flosi, contando 14 anos em 78, apanhou de dois homens quando saía da casa de uma colega na Avenida Brigadeiro Luis Antonio em direção a um ponto de ônibus.

O menino levou socos no estômago e tapas na cara, além de um empurrão que lhe fez cair e ralar os joelhos. A justificativa dada pela dupla que o abordou foi que "está apanhando pelas reportagens do seu pai". Dias antes, o garoto revelou que já havia atendido a telefonemas intimidatórios ("Cuidado quando andar na rua", "Você vai pagar pelas reportagens do seu pai") e que notara a presença de um mesmo carro o seguindo algumas vezes.

O sindicato dos jornalistas do estado de São Paulo emitiu nota no dia seguinte ao episódio denunciando e protestando contra a agressão sofrida, e registrando que entendiam o fato como parte de um esquema montado para atemorizar o repórter da Folha.

Mas Flosi não se intimidou: "Esse episódio veio apenas para temperar e dar mais força para as minhas denúncias", disse à época ao jornal.

Para encerrar o post, deixo o link de uma reportagem feita pela revista Joyce Pascowitch com o mestre, na oportunidade dele estar completando 70 anos e lançando o seu livro "Por trás da notícia", relato de sua experiência nas ruas como repórter policial.

http://revistajoycepascowitch.uol.com.br/Default.aspx?pID=1&eID=68&lP=52&rP=53&lT=page

terça-feira, 13 de setembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Movimento - Uma reportagem

Acabo de chegar do lançamento do livro Jornal Movimento - Uma reportagem, organizado pelo veterano jornalista Carlos Azevedo, editado pela Editora Manifesto.

O lançamento, em São Paulo, foi feito na livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos. Por volta das 19 horas começaram a chegar as primeiras pessoas. Eu cheguei um pouco mais cedo. Como a mesa e o banner do livro estavam montados bem ao lado da cafeteria e não havia ninguém por ali, resolvi tomar um expresso. Ao pedir, notei a presença de Azevedo - estava sentado em uma mesa atrás da bancada da cafeteria, mantendo conversa com mais umas três pessoas. Após fazer meu pedido, dei uma rápida olhada para ele e para seus acompanhantes. Não os reconheci. Ele também me fitou e acho que se lembrou de mim.

Depois do café, peguei o novo livro do Fernando Morais, Os úlitmos soldados da Guerra Fria, que estava exposto ali por perto. Sentei e li um capítulo todo, que escolhi a partir do índice. Ele falava sobre o escritor Gabriel Garcia Marquez ter sido uma espécie de pombo-correio de Fidel Castro, numa mensagem a ser enviada ao então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. Fernando Morais retratou bem o episódio, naquele clima de guerra fria etc., mas confesso que achei a coisa meio monótona. Não sei se este novo livro dele vai fazer tanto sucesso quanto os outros.

Vamos ao que interessa. Como já esperado, me senti meio fora do ar ali no lançamento. Uma porção de gente mais velha que eu (mais velha que meus pais até) se encontrando, se abraçando, trocando palavras de afeto, de saudades. Deu para perceber que foram companheiros de uma mesma causa na época da circulação do jornal. Enquanto isso, uma pequena fila ia-se formando em frente à mesa para que Azevedo assinasse o livro de cada um. Decidi me dirigir ao fim dela. Enquanto esperava, mais pessoas se cumprimentavam. Um homem de camisa quadriculada retirou do bolso uma carterinha, que, olhando bem, vi que era de vendedor do Movimento. Ele, o jornal, perdurou muito às custas de estudantes que o vendiam por onde circulavam. Era um jornal de propriedade coletiva, possuiu mais de 400 acionistas, dos quais mais de 100 eram jornalistas. Portanto, no fundo, na intimidade, todos eram um pouquinho donos do Movimento.

Olhei para aquela cena. Meus olhos se arregalaram, sorri para o ex-vendedor com intenção de passar admiração. Mas não fiz mais nada. (Depois, já no carro, prester a ir embora, pensei na possibilidade de tê-lo entrevistado para meu livro. Me arrependi de não ter feito uma pergunta do tipo: "O quê você achava das capas do Elifas Andreato?" Se respondesse legal, comentando e tal, seria um testemunho interessante a acrescentar no trabalho. Pena. Vacilei.)

Chega minha vez. Dei a mão ao Azevedo e perguntei se se lembrava de mim. (chego à conclusão, agora, de que não se deve abordar as pessoas dessa maneira: além de ser meio pretensioso da sua parte você querer que ela lembre de você, é também constrangedor para a pessoa sela não vier a se lembrar) Ele forçou um pouco a memória e disse "Thiago Crepaldi". Vibrei e logo complementei lembrando-o da entrevista que fiz com ele no mês passado. Ele brincou se eu já havia conseguido falar com o Elifas. Disse que ainda não, mas que estava torrando a paciência da secretária dele quase toda a semana. Ele falou que realmente o Elifas não está dos mais acessíveis, principalmente por conta do problema com o álcoolismo, que o fez ficar recluso em sua casa no interior. "Talvez ele venha", esperançou-me. Agradeci a assinatura e sai.

Durante mais ou menos uns 15 minutos, fiquei ali meio de lado de tudo aquilo, sentado, observando as rodas formadas, tentando pescar alguma conversa ou reconhecer um ou outro que talvez pudesse entrevistar. Só pude notar o Raimundo (criador e editor-chefe do jornal), porque era muito assediado, e Duarte Pereira (responsável pelos editoriais do Movimento, os Ensaios Populares), que é bem falante e amigável com todos.

Subimos as escadas, ao auditório. Lá houve uma pequena homenagem a algumas pessoas que tiveram participação importante dentro do jornal. Dentre elas, as mulheres de Perceu Abramo (in memorian) e Sérgio Motta (in memorian), que, não sei direito, receberam um livreto. Duarte Pacheco foi chamado para falar e só deu os créditos a Raimundo. "Estou aqui para dizer que se tem uma pessoa aqui que merece destaque é o Raimundo. Mas ele não quis se destacar pois é o organizador do evento, por favor, palmas pra ele", pediu.

Audálio Dantas foi chamado para falar. Como sempre, Audálio, muito tranquilo e educado, cumprimentou a todos e deu um abraço forte em Raimundo. Deu para perceber que se consideram muito. Ele disse que o sindicato dos jornalistas, o qual presidiu, deu especial atenção ao jornal, que foi extremamente perseguido pelo regime de repressão. "Passamos semanas em que me encontrava com Raimundo e ele estava desolado. O jornal voltava mutilado, às vezes com só 20% do material enviado aprovado. E tinhamos que dar um jeito, fazer o jornal mesmo assim. Não é, Raimundo?", lembrou Audálio.

Audálio perguntou se Azevedo não queria falar algo. Ele brincou: "Eu não. Já escrevi o livro, poxa. Estou oco". Todos riram, eu inclusive; estava logo atrás dele, na segunda fileira. Audálio ainda perguntou se havia alguém conhecido na plateia. Raimundo disse que o correspondente de Movimento em Paris estava. A plateia se olhou, ele procurou, mas Azevedo avisou que já devia ter partido. Afinal, correspondente é assim mesmo... "E o Chico Buarque está aí? Fernando Henrique Cardoso?", perguntou Audálio. Raimundo respondeu: "Ele (Fernando Henrique) gostaria muito de estar aqui, mas está no exterior. Até chegou a me perguntar se não poderia adiar o evento para que ele viesse, mas só conseguimos alugar este espaço nesta data", explicou, lamentando.

Bernardo Kucinski chegou neste momento. Raimundo anuncia sua chegada e o convida a falar. Ele se negou, timidamente. Kucinski trabalhou no Em Tempo, Opinião e Movimento. Foi o correspondente de Londres. Escreveu uma tese de doutorado pela ECA-USP, em 1990, sobre quase todos os veículos da imprensa alternativa brasileira, fundamental para qualquer pesquisador do assunto.

A coisa no auditório acabou assim. Todos foram saindo do local para tomar uma taça de vinho, no andar de baixo, novamente. Desci as escadas, tirei algumas fotos, pensei em tentar alguma entrevista mas hesitei de novo, não sabia mesmo quem poderia abordar. O garçom começou a passar com a bandeja. Percebi que não deveria aceitar um copo. Aquilo não era para mim. Era um momento do qual eu não fazia parte. Do qual eu deveria apenas ficar à margem, observando o mais discretamente possível.

Enquanto me ocorria este pensamento, Kucinski passou ao meu lado animado perguntado "onde se comprava este livro?". Eu olhei pra ele e disse, apontando: Estavam vendendo naquela bancada, mas a moça que estava ali deve ter dado uma saída. Ele confirmou com a cabeça e se virou.

Dei mais uma olhada para aqueles velhos jornalistas reunidos e sai. Não sei se fiz certo ou errado em não ter abordado ninguém para meu trabalho. Talvez devesse ter sido um pouco cara-de-pau, menos tímido, mais REPÓRTER, um sujeito obstinado atrás do que precisa. Não sei...

Não vi ali jovens da mesma idade que eu. Talvez só uma ou outra pessoa. Mas desconfio que fossem parentes. Acho tudo uma pena. Jornais como esse, e como tantos outros tantos da Imprensa Alternativa deveriam ter mais atenção das escolas de jornalismo, de estudantes. Da imprensa também. Não havia uma emissora de TV por lá, pequena que fosse. Nem rádio, portal, nada. Só velhos jornalistas da esquerda, "companheiros de luta", se reencontrando após anos, relembrando um passado cujo objetivo comum era fazer a Revolução e que hoje estão soltos nesse Brasilzão incerto esperando que jovens jornalistas os substituiam à altura.




































sábado, 10 de setembro de 2011

Pesadelo

(Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Quando um muro separa, uma ponte une
Se a vingança encara, o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua, ela um dia é nossa

Olha o muro, olha o poste
Olha o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós
Olha aí...

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente...olha eu de novo
Pertubando a paz, exigindo o troco
Vamos por aí, eu e meu cachorro

Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós
Olha aí...

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo-horizonte
Abraça o dia de amanhã
Olha aí...

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sequestro do embaixador dos EUA no Brasil

Com o recrudescimento do regime, a ALN e o MR-8 (Movimento Revolucinário 8 de Outubro) arquitetam o sequestro, em setembro de 1969, do embaixador norte-americano Charles Elbrick. Em troca, exigiram a libertação de presos políticos. Quinze deles foram soltos e se dirigiram para o México.



Após conseguirem êxito, as duas organizações escrevem juntas uma carta-aberta "Ao povo brasileiro", comunicando o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick:

Cartaz da ALN (Aliança Libertadora Nacional)

A ALN foi criada em 67, após a morte de Che na Bolívia, por Carlos Marighella. Foi uma das primeiras organizações de luta armada durante o regime 64-85.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Saiu o último trabalho do jornalista Fernando Morais

O livro será lançado aqui em São Paulo na semana que vem, terça-feira, 18h30, na Saraiva do Shopping Pátio Higienópolis.

Abaixo, vídeo feito pela sua editora, a Companhia das Letras, no qual ele próprio conta de que se trata e como se deu a concepção da obra.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Batismo de Sangue

Nem só de organizações políticas viveu a resistência. A Igreja, no caso com os Dominicanos, foi às ruas manisfetar repúdio ao regime e deu assistência a perseguidos políticos, ajudando-os, por exemplo, a cruzarem a fronteira brasileira pelo sul, rumo a países como Argentina e Uruguai.






A tortura personificada no delegado de SP Fleury (Cassio Gabus Mendes):

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Retomando as atividades

Venho por meio deste informar que o feérico está retomando as suas atividades - depois de meses em stand by.

Os principais assuntos devem ser referentes à meu TCC.


Isto logo abaixo, entretanto, não tem referência alguma com ele. Enfim...

Colei um trecho de um romance a ser lançado agora no fim de agosto pelo jornalista Edison Veiga, do Estadão.

O livro chama-se Mingutas: correndo da carranca do carimbo, caramba!


das coisas da vida e suas implicações teóricas

Pessoas são engraçadas. Quando nascem, choram. Quando morrem, fedem. Reclamam que a vida é curta, mas morrem de tédio e ficam inventando passatempos pra matar o tempo: suicidas.
Pessoas são engraçadas. Nunca, mas nunca mesmo, se satisfazem completamente e ficam reclamando da dureza da vida da chatice do trabalho da azia dos filhos do fracasso do time de futebol das dificuldades da trigonometria das pedras do meio do caminho. Mas gostam de viver abominam o desemprego têm filhos porque querem amam futebol estudam por opção fazem poesia.
Pessoas são engraçadas. Inentendíveis, mas engraçadas. Complicadas, mas engraçadas.
Não quero ser humano.

Edison Veiga

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Crônica muito boa do Prata

Comecei a me interessar ultimamente pelos escritos do Antonio Prata. Por enquanto só conheço suas crônicas publicadas em sua coluna no caderno Cotidiano da Folha.

Nesta, a apresentação de "sua" doutrina religiosa - ateísmo puro com filosofia do bem viver. Precisa de mais alguma coisa para ser viver, minha gente?


ANTONIO PRATA

Congregação Panteísta do Agora Mesmo


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Se buscarmos só o grande, o topo, a conta não fecha; a solução é apostar tudo nas pequenas felicidades
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POR TRÊS DÉCADAS, fui ateu e feliz. Nos últimos anos, contudo, além de uma dorzinha na lombar, comecei a sentir falta de uma religião: algo ou alguém a quem agradecer, nos dias de sol; ou contra quem blasfemar, diante das inevitáveis goteiras da vida.

Não encontrando entre os sistemas religiosos disponíveis algum que me agradasse, resolvi criar minha própria doutrina. Chama-se Congregação Panteísta do Agora Mesmo.

A CPAM não acredita em qualquer entidade ou força superior. Eu, você, a floração das cerejeiras, o vizinho que acertou na loteria: tudo fruto do acaso, sem comando ou metafísica.

Ora, se nada tem sentido ou propósito, o que ganha o leitor ao converter-se à Congregação Panteísta do Agora Mesmo? Muito! Pois minha religião sem Deus visa melhorar nossas vidas justamente pela divinização do terreno, pela devoção eterna ao tangível, pelo consciente alumbramento com o telúrico.

A CPAM nasceu da compreensão de que a felicidade não é um problema filosófico ou psicológico, mas matemático. Veja: se passarmos a vida perseguindo o grande, as glórias, o topo, a conta não fecha. Afinal, mesmo se atingidos esses áureos objetivos, a explosão de alegria por eles proporcionada dura pouco, não cobrindo nem de perto os custos da busca. A solução é apostar tudo nas pequenas felicidades, olhando apenas o presente, e a CPAM nada mais é do que um sistema destinado a organizar a fruição do comezinho.

Como toda religião precisa de rituais e termos estranhos, logo tratei de criar alguns. O espaço é curto, de modo que mencionarei apenas dois. "Blada", a manifestação do Bem, "Kruma", a do Mal, e os ritos correspondentes.

Digamos que você sentisse fome e, por acaso, encontrasse na cozinha sua fruta predileta, uma manga. Eis uma "Blada", uma pequena alegria que deve ser reconhecida e celebrada com um breve fechar de olhos, um suspiro e a pronúncia, em alto e bom som: "Blada!". Suponhamos que três "Bladas" se sucedam: você sente fome e acha a manga; recebe pelo correio o comprovante de um pagamento, vai ver um filme e encontra uma vaga bem em frente ao cinema: trata-se de uma "Tripleblada". Você deve comemorá-la fechando os olhos por dez segundos, mentalizando os três acontecimentos e repetindo: "Obrigado, oh nada, por me enviar uma Tripleblada!".

Já os pequenos infortúnios que, se acumulados, podem arruinar nosso dia, como dar uma topada, acabar a luz na hora do jogo, pedir uma empada de camarão e ouvir que só tem de palmito, são os "Krumas". Caso amargue um "Triplekruma", o fiel deve fechar os olhos e repetir, por dez segundos: "Causa alguma, causa alguma; a infelicidade é apenas um Triplekruma".

Acredito que, enaltecendo as pequenas alegrias e minimizando os percalços de todo dia, a Congregação Panteísta do Agora Mesmo poderá fazer mais por seu seguidor do que muitas religiões instituídas. E, se o fiel vier com problemas maiores, como a razão de existirmos ou a angústia com a morte, daremos a ele a sugestão de Fernando Pessoa: come chocolates, meu caro, que não há metafísica senão chocolates, e as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come chocolates!

antonioprata.folha@uol.com.br

@antonioprata

FOLHA.com
Blog "Crônica e Outras Milongas"
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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Professor de matemática será investigado por aula de apologia ao crime

Um pouco do meu trabalho na Secretaria da Segurança Pública de São Paulo:



Professor de matemática será investigado por aula de apologia ao crime


Um professor de uma escola estadual de Santos está sendo investigado pela Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) do município por ter dado uma aula a estudantes do primeiro ano do ensino médio exercícios de matemática que envolviam comportamentos delituosos, como tráfico de drogas, prostituição e roubo de veículos.

A escola fica no Morro do São Bento. A aula aconteceu na manhã de segunda-feira (14). A descoberta foi feita porque uma das alunas, de 14 anos, mostrou o caderno com as questões aos pais, pois não conseguira resolvê-las em sala. Os pais procuraram a direção da escola e foram posteriormente prestar queixa à delegacia, quarta-feira, às 11 horas.

Eram ao todo seis questões, que os alunos copiaram da lousa. Elas propunham aos alunos resolverem cálculos de mistura de cocaína com outra substância, obter a lucratividade da venda de um carro roubado, calcular o valor de remuneração que uma moça se prostituindo em uma praça receberia de seu cafetão.

Procurada pelos pais da estudante, a diretora da escola se disse surpresa com o conteúdo das questões. O professor foi chamado à sala da diretora e confirmou a aplicação do exercício, porém não esclareceu o motivo.

O delegado responsável elaborou um boletim de ocorrência de “apologia ao crime ou criminoso” (art. 287) e instaurou inquérito policial para investigar o caso.

Ele informou que o professor já foi identificado e que ele deve comparecer à delegacia para prestar esclarecimentos.

BO 27/11
Natureza: Apologia ao crime ou criminoso (art. 287)
Delegado: Francisco Garrido Fernandes
Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

"A que horas prefere escrever?"

"A que horas prefere escrever?"

12 de fevereiro de 2011 0h 00


SERGIO AUGUSTO* - O Estado de S.Paulo
Em breve nas livrarias mais um volume de entrevistas com escritores publicadas pela Paris Review, o terceiro ou quarto aqui traduzido nos últimos 43 anos. Insuperáveis no gênero, só perdem em longevidade para aquele questionário que Proust inventou, Bernard Pivot levou para a TV, James Lipton para o auditório do Actors" Studio e Graydon Carter para a última página da Vanity Fair. Têm vaga cativa nas estantes de romancistas, poetas e críticos, que as leem para saciar a curiosidade sobre os hábitos, preferências e esquisitices de autores do passado e da atualidade. Clarice Lispector tinha o seu exemplar de Escritores em Ação (título da primeira tradução, lançada pela Paz e Terra) todo marcado e anotado.


Recentemente a Universidade de Illinois patrocinou um estudo coletivo sobre a influência daquelas entrevistas no meio literário, com uma longa digressão sobre sua pergunta mais frequente: "A que horas prefere escrever?" A forma pode variar, mas não seu conteúdo. É pergunta irrelevante, típica de quem não tem dúvidas mais substantivas e consequentes a respeito do entrevistado e seu método de trabalho, avaliaram os autores da digressão. Só a biógrafos deveria interessar esse tipo de informação. Outros hábitos e preferências (como os entrevistados esquentam os motores, em que ambiente ficam mais à vontade, se escrevem à mão, datilografam ou digitam, se corrigem muito, etc.) afetam muito mais a confecção de uma obra literária do que a parte do dia em que ela foi escrita.

Segundo consta, quem inventou a indefectível pergunta foi o próprio criador da Paris Review, George Plimpton, na entrevista que fez com Ernest Hemingway, em maio de 1954, num café de Madri. Também Aldous Huxley, na mesma época, foi obrigado a revelar de cara o seu expediente: sempre de manhã e um pouco mais antes do jantar; à noite, apenas leituras.

De modo geral, os escritores "pegam cedo na repartição", uns até acordam com as galinhas ou nem tiram o pijama, como é o caso de Salman Rushdie, que só depois de "aproveitar a primeira energia do dia" lê os jornais, checa a correspondência e toma uma chuveirada. García Márquez só parou de escrever ficção à noite depois que se livrou do jornalismo diário. Ao virar romancista full time, adotou o horário padrão dos profissionais do ramo (de 9 da manhã às 2 da tarde), que Graham Greene, por exemplo, acabou substituindo por outra condicionante: a produção de um mínimo de 500 palavras por dia. Uma das exceções à regra, Italo Calvino tornou-se vespertino porque gastava a manhã inventado desculpas para não trabalhar, e sempre que tentou escrever à noite não conseguia dormir depois.

Respostas mais diversificadas e relevantes nos oferece a questão do ambiente ideal de trabalho. Ray Bradbury vangloria-se de escrever numa boa em qualquer lugar. John Cheever produziu alguns de seus melhores contos num cubículo do tamanho de uma solitária. García Márquez se recusa a trabalhar em hotéis, na casa dos outros ou em máquinas de escrever e computadores emprestados. Norman Mailer carecia de um lugar com vista ampla, de preferência para o mar: nada de janela dando para um pátio ou jardim. Jack Kerouac preferia escrever na escrivaninha do quarto, "perto da cama, com bastante luz, da meia-noite até o amanhecer", mas era capaz de transformar "em sua casa" qualquer quarto de hotel ou motel e até mesmo barracas de acampamento.

Apesar de acreditar que os artistas de verdade criam em qualquer lugar, William Faulkner considerava o bordel o lugar perfeito para dar asas à imaginação. Num bordel desfrutava de teto e comida, tinha as manhãs tranquilas para escrever e as noites plenas de animação, sem contar a presença constante de fornecedores de bebida alcoólica (Faulkner foi um tremendo bebum) e a proteção garantida da polícia. Essa talvez tenha sido a resposta mais inesperada e engraçada já publicada na Paris Review.

Cinco anos atrás, num encontro de escritores de língua espanhola em Cartagena (Colômbia), a jornalista mexicana Alma Guillermoprieto, colaboradora da New York Review of Books, resolveu fugir ao ramerrão perguntando aos autores presentes se por acaso vestiam alguma roupa especial para receber as musas. Bem-vinda gozação no perfunctório jornalístico. Se o hábito não faz o monge, por que faria o escritor? Para Victor Hugo e Benjamin Franklin não fazia mesmo, tanto que eles adoravam escrever inteiramente pelados, em frontal contraste com Disraeli, que antes de pegar na pena enfarpelava-se todo como se fosse jantar com a rainha.

No seu cubículo, Cheever ficava apenas de cuecas. João Ubaldo Ribeiro ao menos põe bermudas para receber as musas, mas se recusa a vestir uma camisa, e não apenas nisso é o oposto de sua colega de Academia Nélida Piñon, que o máximo de descontração a que se permite, quando escreve, é calçar um par de tênis, assim mesmo com meias.

O que Hemingway afinal respondeu ao Plimpton?

Que começava no batente à primeira luz do dia. Se engrenava, ia em frente, até a hora do almoço, só parando quando absolutamente seguro de como continuaria sua narrativa na manhã seguinte. Mais ousado, António Lobo Antunes tem o costume de deixar sempre uma frase inconclusa para completá-la no dia seguinte. "Deixo-a no meio do caminho porque assim é mais fácil continuá-la", ensina o autor de O Arquipélago da Insônia, que jura ser este o seu único truque literário. Experimentem.


*Sérgio Augusto (Rio de Janeiro, 1942) é um jornalista e escritor brasileiro.
Começou sua carreira como crítico de cinema do periódico Tribuna da Imprensa, em 1960. Trabalhou também nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, nas revistas O Cruzeiro, Fatos & Fotos, Veja e IstoÉ e nos semanários O Pasquim, Opinião e Bundas.
Foi repórter especial da Folha de São Paulo de 1981 a 1996 e, atualmente, escreve no Caderno 2 de O Estado de São Paulo e na revista Bravo!.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sobre as pessoas que se emplacam

Deixo abaixo, apenas como uma lembrança, a coluna do Marcelo Coelho para a Folha de hoje. Achei-a um primor. O Coelho tem uma sensibilidade jornalística para captar coisas da cidade grande que, aliada à sua formação sociológica, resultam sempre em um texto crítico e com uma ironia bem reveladora.

São Paulo, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011


MARCELO COELHO
Uma cena de verão

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Eis que surge numa esquina e em outras dez o homem-placa das novas incorporações imobiliárias
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O CALOR das últimas semanas acaba com o ânimo de qualquer um, mas em São Paulo há outro fator que o torna mais acachapante do ponto de vista psicológico. Sábado, domingo, no pico do calor da tarde, nas ruas desertas dos bairros residenciais, mal se segurando em pé, vejo uma mulher ou um homem, não sei bem, indigente com certeza.
Seria o retrato acabado da depressão de janeiro, da fossa sem fim de fevereiro, do desespero tropical de março -não fosse o pormenor circense, o toque de alegria que tentaram impor à figura do coitado.

Uma cabeleira cor-de-rosa ou verde, um nariz de palhaço, luvas de Mickey gigantescas, pouco importa. Eis que surge numa esquina, e replica-se em outras dez, o personagem mais solitário do verão paulistano, o homem-placa das novas incorporações imobiliárias.
Digo homem-placa não porque ele seja vítima do velho sistema de ficar ensanduichado entre duas tábuas de madeira anunciando remédios ou espetáculos de teatro, nem porque, numa versão mais recente, amarrem-lhe ao corpo um meio colete de plástico amarelo para avisar que se compra ouro ali por perto.

Ele é homem-placa porque sua função é mostrar, a cada encruzilhada mais importante do caminho, a direção certa para o novo prédio que está sendo lançado.
Pelo que sei, estão proibidos os cartazes, mesmo temporários, do que quer que seja na cidade. Ao menos, não vejo mais as duas tábuas, com homem-sanduíche dentro, que indicavam nas calçadas os edifícios recém-construídos.

Durante uma época, a prática foi encostar carros velhíssimos, verdadeiras sucatas, numa vaga de esquina, colocando o anúncio do prédio em cima da capota. O efeito era ruim, sem dúvida.
Como acreditar no luxo e na distinção do edifício Duvalier, com seu espaço gourmet e seu depósito de vinho individual, se todo o sonho estava montado em cima de um Opala 74 cor de tijolo com dois pneus no chão?

Eliminaram-se os carros-placa, assim como já pertencem ao passado os grandes lançamentos performáticos do mercado imobiliário. A coisa tinha, cerca de dez anos atrás, proporções teatrais.
Determinado prédio homenageava a Nova York eterna: mocinhas eram contratadas para se fantasiar de Estátua da Liberdade, com o rosto pintado de verde, a tocha de plástico numa mão, o folheto colorido na outra. Ou então era o Tio Sam, eram Marilyns e Kennedys, que ocupavam a avenida Brasil, a Nove de Julho, as ruas do Itaim.

Passo agora pela Lapa, pela Vila Leopoldina. Há muitos prédios ainda a construir por ali; bairros ainda baixos, de ruas ortogonais e planas, sem nenhuma sombra por perto, vão ganhando seus edifícios.

Mas quanto cansaço! Talvez tenha ficado tão aquecido o mercado imobiliário que já não há mais imaginação para as grandes operações de marketing.

Talvez o delirante teatro imobiliário das ruas fosse consequência de uma época de vacas magras, em que era preciso chamar a atenção do cliente a todo custo.

Talvez a mão de obra para esse tipo de promoção tenha ficado cara demais; as mocinhas que distribuíam prospectos já se formaram em administração de empresas ou relações internacionais. Sobra o pessoal mais de baixo ainda, incapaz, provavelmente, de contato direto com o público, nem que seja para entregar um papel pela janela.

Esses homens e mulheres-placa não se comparam sequer ao guardador de carros, que precisa impor certa presença ao cliente incauto.

Estão ali graças à sua inexistência social. Só que sua função, paradoxalmente, é a de serem vistos; um cabelo azul, um gesto repetitivo apontando o caminho, já bastam.

Roupas especiais podem ser usadas num ou noutro lançamento, mas se tornam mais raras. Vi alguns moradores de rua (esse o termo mais exato) metidos num falso smoking, em que a gravata borboleta preta se pendurava mal e mal num pescoço sem camisa. A regra, contudo, é dispensar tal luxo.

Esse povo sai de onde estava -debaixo da ponte- para cozinhar ao sol, e apontar, a uma distância que não alcançam, o futuro lar da classe média. São porteiros que jamais aspiraram a ficar numa guarita.

O calor prossegue; o mercado está aquecido; a euforia não chegou até os homens-placa; o sol gostaria (é a minha impressão) de derretê-los, de esmagá-los, de reduzi-los a pó. Mas eles resistem.