sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Professor de matemática será investigado por aula de apologia ao crime

Um pouco do meu trabalho na Secretaria da Segurança Pública de São Paulo:



Professor de matemática será investigado por aula de apologia ao crime


Um professor de uma escola estadual de Santos está sendo investigado pela Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) do município por ter dado uma aula a estudantes do primeiro ano do ensino médio exercícios de matemática que envolviam comportamentos delituosos, como tráfico de drogas, prostituição e roubo de veículos.

A escola fica no Morro do São Bento. A aula aconteceu na manhã de segunda-feira (14). A descoberta foi feita porque uma das alunas, de 14 anos, mostrou o caderno com as questões aos pais, pois não conseguira resolvê-las em sala. Os pais procuraram a direção da escola e foram posteriormente prestar queixa à delegacia, quarta-feira, às 11 horas.

Eram ao todo seis questões, que os alunos copiaram da lousa. Elas propunham aos alunos resolverem cálculos de mistura de cocaína com outra substância, obter a lucratividade da venda de um carro roubado, calcular o valor de remuneração que uma moça se prostituindo em uma praça receberia de seu cafetão.

Procurada pelos pais da estudante, a diretora da escola se disse surpresa com o conteúdo das questões. O professor foi chamado à sala da diretora e confirmou a aplicação do exercício, porém não esclareceu o motivo.

O delegado responsável elaborou um boletim de ocorrência de “apologia ao crime ou criminoso” (art. 287) e instaurou inquérito policial para investigar o caso.

Ele informou que o professor já foi identificado e que ele deve comparecer à delegacia para prestar esclarecimentos.

BO 27/11
Natureza: Apologia ao crime ou criminoso (art. 287)
Delegado: Francisco Garrido Fernandes
Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

"A que horas prefere escrever?"

"A que horas prefere escrever?"

12 de fevereiro de 2011 0h 00


SERGIO AUGUSTO* - O Estado de S.Paulo
Em breve nas livrarias mais um volume de entrevistas com escritores publicadas pela Paris Review, o terceiro ou quarto aqui traduzido nos últimos 43 anos. Insuperáveis no gênero, só perdem em longevidade para aquele questionário que Proust inventou, Bernard Pivot levou para a TV, James Lipton para o auditório do Actors" Studio e Graydon Carter para a última página da Vanity Fair. Têm vaga cativa nas estantes de romancistas, poetas e críticos, que as leem para saciar a curiosidade sobre os hábitos, preferências e esquisitices de autores do passado e da atualidade. Clarice Lispector tinha o seu exemplar de Escritores em Ação (título da primeira tradução, lançada pela Paz e Terra) todo marcado e anotado.


Recentemente a Universidade de Illinois patrocinou um estudo coletivo sobre a influência daquelas entrevistas no meio literário, com uma longa digressão sobre sua pergunta mais frequente: "A que horas prefere escrever?" A forma pode variar, mas não seu conteúdo. É pergunta irrelevante, típica de quem não tem dúvidas mais substantivas e consequentes a respeito do entrevistado e seu método de trabalho, avaliaram os autores da digressão. Só a biógrafos deveria interessar esse tipo de informação. Outros hábitos e preferências (como os entrevistados esquentam os motores, em que ambiente ficam mais à vontade, se escrevem à mão, datilografam ou digitam, se corrigem muito, etc.) afetam muito mais a confecção de uma obra literária do que a parte do dia em que ela foi escrita.

Segundo consta, quem inventou a indefectível pergunta foi o próprio criador da Paris Review, George Plimpton, na entrevista que fez com Ernest Hemingway, em maio de 1954, num café de Madri. Também Aldous Huxley, na mesma época, foi obrigado a revelar de cara o seu expediente: sempre de manhã e um pouco mais antes do jantar; à noite, apenas leituras.

De modo geral, os escritores "pegam cedo na repartição", uns até acordam com as galinhas ou nem tiram o pijama, como é o caso de Salman Rushdie, que só depois de "aproveitar a primeira energia do dia" lê os jornais, checa a correspondência e toma uma chuveirada. García Márquez só parou de escrever ficção à noite depois que se livrou do jornalismo diário. Ao virar romancista full time, adotou o horário padrão dos profissionais do ramo (de 9 da manhã às 2 da tarde), que Graham Greene, por exemplo, acabou substituindo por outra condicionante: a produção de um mínimo de 500 palavras por dia. Uma das exceções à regra, Italo Calvino tornou-se vespertino porque gastava a manhã inventado desculpas para não trabalhar, e sempre que tentou escrever à noite não conseguia dormir depois.

Respostas mais diversificadas e relevantes nos oferece a questão do ambiente ideal de trabalho. Ray Bradbury vangloria-se de escrever numa boa em qualquer lugar. John Cheever produziu alguns de seus melhores contos num cubículo do tamanho de uma solitária. García Márquez se recusa a trabalhar em hotéis, na casa dos outros ou em máquinas de escrever e computadores emprestados. Norman Mailer carecia de um lugar com vista ampla, de preferência para o mar: nada de janela dando para um pátio ou jardim. Jack Kerouac preferia escrever na escrivaninha do quarto, "perto da cama, com bastante luz, da meia-noite até o amanhecer", mas era capaz de transformar "em sua casa" qualquer quarto de hotel ou motel e até mesmo barracas de acampamento.

Apesar de acreditar que os artistas de verdade criam em qualquer lugar, William Faulkner considerava o bordel o lugar perfeito para dar asas à imaginação. Num bordel desfrutava de teto e comida, tinha as manhãs tranquilas para escrever e as noites plenas de animação, sem contar a presença constante de fornecedores de bebida alcoólica (Faulkner foi um tremendo bebum) e a proteção garantida da polícia. Essa talvez tenha sido a resposta mais inesperada e engraçada já publicada na Paris Review.

Cinco anos atrás, num encontro de escritores de língua espanhola em Cartagena (Colômbia), a jornalista mexicana Alma Guillermoprieto, colaboradora da New York Review of Books, resolveu fugir ao ramerrão perguntando aos autores presentes se por acaso vestiam alguma roupa especial para receber as musas. Bem-vinda gozação no perfunctório jornalístico. Se o hábito não faz o monge, por que faria o escritor? Para Victor Hugo e Benjamin Franklin não fazia mesmo, tanto que eles adoravam escrever inteiramente pelados, em frontal contraste com Disraeli, que antes de pegar na pena enfarpelava-se todo como se fosse jantar com a rainha.

No seu cubículo, Cheever ficava apenas de cuecas. João Ubaldo Ribeiro ao menos põe bermudas para receber as musas, mas se recusa a vestir uma camisa, e não apenas nisso é o oposto de sua colega de Academia Nélida Piñon, que o máximo de descontração a que se permite, quando escreve, é calçar um par de tênis, assim mesmo com meias.

O que Hemingway afinal respondeu ao Plimpton?

Que começava no batente à primeira luz do dia. Se engrenava, ia em frente, até a hora do almoço, só parando quando absolutamente seguro de como continuaria sua narrativa na manhã seguinte. Mais ousado, António Lobo Antunes tem o costume de deixar sempre uma frase inconclusa para completá-la no dia seguinte. "Deixo-a no meio do caminho porque assim é mais fácil continuá-la", ensina o autor de O Arquipélago da Insônia, que jura ser este o seu único truque literário. Experimentem.


*Sérgio Augusto (Rio de Janeiro, 1942) é um jornalista e escritor brasileiro.
Começou sua carreira como crítico de cinema do periódico Tribuna da Imprensa, em 1960. Trabalhou também nos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, nas revistas O Cruzeiro, Fatos & Fotos, Veja e IstoÉ e nos semanários O Pasquim, Opinião e Bundas.
Foi repórter especial da Folha de São Paulo de 1981 a 1996 e, atualmente, escreve no Caderno 2 de O Estado de São Paulo e na revista Bravo!.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sobre as pessoas que se emplacam

Deixo abaixo, apenas como uma lembrança, a coluna do Marcelo Coelho para a Folha de hoje. Achei-a um primor. O Coelho tem uma sensibilidade jornalística para captar coisas da cidade grande que, aliada à sua formação sociológica, resultam sempre em um texto crítico e com uma ironia bem reveladora.

São Paulo, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011


MARCELO COELHO
Uma cena de verão

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Eis que surge numa esquina e em outras dez o homem-placa das novas incorporações imobiliárias
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O CALOR das últimas semanas acaba com o ânimo de qualquer um, mas em São Paulo há outro fator que o torna mais acachapante do ponto de vista psicológico. Sábado, domingo, no pico do calor da tarde, nas ruas desertas dos bairros residenciais, mal se segurando em pé, vejo uma mulher ou um homem, não sei bem, indigente com certeza.
Seria o retrato acabado da depressão de janeiro, da fossa sem fim de fevereiro, do desespero tropical de março -não fosse o pormenor circense, o toque de alegria que tentaram impor à figura do coitado.

Uma cabeleira cor-de-rosa ou verde, um nariz de palhaço, luvas de Mickey gigantescas, pouco importa. Eis que surge numa esquina, e replica-se em outras dez, o personagem mais solitário do verão paulistano, o homem-placa das novas incorporações imobiliárias.
Digo homem-placa não porque ele seja vítima do velho sistema de ficar ensanduichado entre duas tábuas de madeira anunciando remédios ou espetáculos de teatro, nem porque, numa versão mais recente, amarrem-lhe ao corpo um meio colete de plástico amarelo para avisar que se compra ouro ali por perto.

Ele é homem-placa porque sua função é mostrar, a cada encruzilhada mais importante do caminho, a direção certa para o novo prédio que está sendo lançado.
Pelo que sei, estão proibidos os cartazes, mesmo temporários, do que quer que seja na cidade. Ao menos, não vejo mais as duas tábuas, com homem-sanduíche dentro, que indicavam nas calçadas os edifícios recém-construídos.

Durante uma época, a prática foi encostar carros velhíssimos, verdadeiras sucatas, numa vaga de esquina, colocando o anúncio do prédio em cima da capota. O efeito era ruim, sem dúvida.
Como acreditar no luxo e na distinção do edifício Duvalier, com seu espaço gourmet e seu depósito de vinho individual, se todo o sonho estava montado em cima de um Opala 74 cor de tijolo com dois pneus no chão?

Eliminaram-se os carros-placa, assim como já pertencem ao passado os grandes lançamentos performáticos do mercado imobiliário. A coisa tinha, cerca de dez anos atrás, proporções teatrais.
Determinado prédio homenageava a Nova York eterna: mocinhas eram contratadas para se fantasiar de Estátua da Liberdade, com o rosto pintado de verde, a tocha de plástico numa mão, o folheto colorido na outra. Ou então era o Tio Sam, eram Marilyns e Kennedys, que ocupavam a avenida Brasil, a Nove de Julho, as ruas do Itaim.

Passo agora pela Lapa, pela Vila Leopoldina. Há muitos prédios ainda a construir por ali; bairros ainda baixos, de ruas ortogonais e planas, sem nenhuma sombra por perto, vão ganhando seus edifícios.

Mas quanto cansaço! Talvez tenha ficado tão aquecido o mercado imobiliário que já não há mais imaginação para as grandes operações de marketing.

Talvez o delirante teatro imobiliário das ruas fosse consequência de uma época de vacas magras, em que era preciso chamar a atenção do cliente a todo custo.

Talvez a mão de obra para esse tipo de promoção tenha ficado cara demais; as mocinhas que distribuíam prospectos já se formaram em administração de empresas ou relações internacionais. Sobra o pessoal mais de baixo ainda, incapaz, provavelmente, de contato direto com o público, nem que seja para entregar um papel pela janela.

Esses homens e mulheres-placa não se comparam sequer ao guardador de carros, que precisa impor certa presença ao cliente incauto.

Estão ali graças à sua inexistência social. Só que sua função, paradoxalmente, é a de serem vistos; um cabelo azul, um gesto repetitivo apontando o caminho, já bastam.

Roupas especiais podem ser usadas num ou noutro lançamento, mas se tornam mais raras. Vi alguns moradores de rua (esse o termo mais exato) metidos num falso smoking, em que a gravata borboleta preta se pendurava mal e mal num pescoço sem camisa. A regra, contudo, é dispensar tal luxo.

Esse povo sai de onde estava -debaixo da ponte- para cozinhar ao sol, e apontar, a uma distância que não alcançam, o futuro lar da classe média. São porteiros que jamais aspiraram a ficar numa guarita.

O calor prossegue; o mercado está aquecido; a euforia não chegou até os homens-placa; o sol gostaria (é a minha impressão) de derretê-los, de esmagá-los, de reduzi-los a pó. Mas eles resistem.