quinta-feira, 25 de março de 2010

Crítica/"Clarice,"

Capa da mais nova biografia da escritora Clarice Lispector. Lançada pela Cosac Naify.

Não acabou de sair do forno, mas é um lançamento relativamente recente - do final do ano passado. Eu ainda não li essa biografia. Que (como verão) para o Ruy é, na verdade, um ensaio biográfico.


Obra sobre Lispector não é biografia, mas ensaio biográfico
Benjamin Moser se afasta da narrativa factual e faz radiografia da alma da autora

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

"Clarice,", o livro do americano Benjamin Moser sobre Clarice Lispector (1920-1977), está sendo apresentado por sua editora como "uma biografia como você nunca viu". E não viu mesmo porque, tecnicamente, "Clarice," não é uma biografia.

Ou, pelo menos, não se enquadra nos parâmetros que poderiam defini-la como uma história ou descrição da vida de um personagem, tanto nas suas grandes linhas como nos detalhes mais significantes, contra um pano de fundo de cenário e época. Esse personagem não é um ectoplasma, mas um ser ativo, material, que faz coisas concretas, em casa, na rua ou no escritório, e vive cercado de pessoas tão ativas e materiais quanto ele. Ao biógrafo compete ouvir o máximo de fontes para levantar os fatos de sua vida e dispô-los numa narrativa lógica, abrangente e o mais próximo possível da verdade.

No decorrer das 648 páginas do livro de Moser, Clarice Lispector não dá um beijo, não troca uma lâmpada, não frita um ovo. Às vezes, escreve um livro. É como se sua vida fosse toda voltada para dentro, e o biógrafo só se dispusesse a enxergá-la por meio de uma radiografia. E, no entanto, sabemos que a vida de Clarice foi cheia de peripécias.

Apenas pelo fato de ter nascido de uma família judia, na Ucrânia, logo depois da Primeira Guerra, Clarice já estaria condenada a elas. Sua mãe foi estuprada pelos russos num pogrom; o pai, arruinado; o avô, assassinado. Fugindo à miséria e a mais pogroms, os Lispector vieram dar no Brasil, onde já tinham parentes, em 1922, trazendo as três filhas (Clarice, a caçula, com 1 ano e meio) -primeiro, Maceió; depois, Recife; finalmente, o Rio.

Começou a escrever muito cedo, casou-se com um diplomata, passou 15 anos no exterior e, separada do marido, voltou com os dois filhos para o Rio, onde, a duras penas, consolidou sua obra literária. Siderou um sem número de homens pela inteligência e pela beleza, mas teve uma vida amorosa das mais pobres.

Escapou de um incêndio em seu apartamento, em que só seu rosto foi poupado das queimaduras. No fim, reduzida a uma acompanhante, morreu de câncer, aos 57 anos. Esses fatos estão no livro vagos, dispersos, sem paixão, como amostras de sangue numa lâmina de laboratório.
"Fatos e pormenores me aborrecem", Clarice costumava dizer. Coerente com a biografada, Moser afastou qualquer possibilidade de narrativa física, factual na verdade, a espinha de qualquer biografia. É uma opção respeitável.

Pena que, com isso, o leitor às vezes se perca no livro, sem saber onde ou quando está se passando a ação, a pouca ação que ele se permite descrever.

Como o autor não se obriga a narrar os fatos, o leitor é surpreendido com informações que parecem cair das nuvens.

De repente, por exemplo, Clarice se vê direto no nono mês de gravidez. Muito depois, sem aviso prévio, está se separando do marido. E, a folhas tantas, de supetão, descobrimos que tem um longo histórico psiquiátrico e é, há anos, pesada dependente de soníferos e antidepressivos.

O marido, por sinal, é uma sombra -não se consegue visualizá-lo, nem entender seu papel na vida de Clarice. Quanto aos comprimidos de venda "controlada", que ela tomava às mancheias, em nenhum momento Moser suspeita que pudessem ser a causa das ansiedades, angústias e insônias que, no fim, tornaram Clarice quase insuportável para os amigos e para si mesma. Nem poderia suspeitar: seu "approach" ao íntimo do personagem é decididamente psicanalítico -e, se este livro é uma biografia, sê-lo-á apenas da alma da escritora.

Na verdade, "Clarice," pertence a outro gênero, paralelo à biografia e perfeitamente válido: o ensaio biográfico -e como tal deve ser lido. No ensaio biográfico, o autor tem liberdade para comentar a trajetória do biografado, explorar sua cabeça, ignorar o que lhe parece supérfluo e, sendo o personagem um escritor, valer-se de citações do próprio e permitir-se toda sorte de interpretações, inferências e aproximações.

É o que Moser faz, quase sempre esbanjando inteligência. A identidade judaica de Clarice; sua consciência de ser uma esfinge, um "enigma"; sua natureza animal (que ela tanto prezava); a busca de um Deus "neutro", inumano, e do significado oculto das palavras -grandes temas claricianos que Moser analisa com brilho, dialogando a cada passo com trechos dos romances, contos e crônicas da escritora-, tudo serve para iluminar a obra de Clarice Lispector. E é isso que separa os ensaios biográficos das biografias: aqueles iluminam a obra; estas, a vida.

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CLARICE,

Autor: Benjamin Moser
Tradução: José Geraldo Couto
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 79 (648 págs.)
Avaliação: bom

quinta-feira, 18 de março de 2010

Fotógrafa inglesa é coisa nossa

Nascida na Inglaterra, em 1931, a fotógrafa Maureen Bisilliat veio para o Brasil com 21 anos, quando se casou com um negociante de algodão. Aqui fixou suas raízes, apaixonou-se por nossa cultura e, então, resolveu naturalizar-se brasileira.

Como fotojornalista, contribuiu em reportagens da revista Realidade (hoje extinta) e Quatro rodas, ambas da Editora Abril. Com formação em pintura, Maureen faz belo uso da luz e é rigorosa na composição das cenas.
Guimarães Rosa chamava-a de "irlandesa cigana", devido ao estilo hippie de se vestir, com saias e cabelos longos. Aliás, foi com a ajuda do poliglota que Maureen localizou e fotografou personagens das veredas de Minas Gerais. Como se não bastasse ter conhecido um grande literato, ela também conviveu com outro: Jorge Amado. Após uma inspiradora temporada na casa do baiano, fez ensaios do litoral e dos pescadores da região.
Algumas fotos da fotógrafa, que está com galeria no SESI da Paulista:

O jagunço Manuelzão, que inspirou o personagem de Guimarães Rosa.

Caranguejeiras. 1968.

Foi capa da Revista da Cultura.


Índio Xingu e um dos irmãos Villas-Boas.
Desde 2003 o acervo de mais de 16.000 imagens de Maureen Bisilliat pertence ao Instituto Moreira Salles.
Para vê-lo, clique aqui.
A Galeria de Arte do Sesi está com uma retrospectiva dela em cartaz desde a semana retrasada aqui em São Paulo.
Serviço:
Local - Galeria de Arte do SESI - Centro Cultural Fiesp -Ruth Cardoso. Av. Paulista 1313. Metrô Brigadeiro/Trianon-Masp.
Data - de 2 de março a 4 de julho de 2010.
Horário - Seg. das 11h às 20h.
Ter. a Sáb. das 10h às 20h.
Dom. das 10h às 19h.
Entrada Franca
Indicação Livre
Telefone - 3146-7405

quarta-feira, 17 de março de 2010

É pela coisa ou pelo nome da coisa?

Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso - ufa!
Ou, simplesmente, Picasso.

Garçon à la Pipe. 1905. Fase rosa do pintor espanhol, considerada mais 'alegre' com predomínios das cores rosa e laranja.

Este é um quadro dele. Em 2004 pagaram (quem foi o maluco eu não sei; se souber, por favor, me diga) a estratosférica quantia de US$ 100 milhões por ele - foi o primeiro quadro a ultrapassar a casa das dezenas de milhões.
Fala sério: um sujeito sentado, trajando algo semelhante a um macacão azul, com uma coroa de rosas, e segurando um cachimbo sem charme nenhum, vale tanto assim???

segunda-feira, 15 de março de 2010

Estadão de cara nova

Primeira página de hoje, segunda-feira 15 de março de 2010.
O jornal O Estado de São Paulo está de cara nova! Desde sábado ele circula por todo o país com tipografia, cromagem e novos cadernos para conquistar mais leitores e também tornar a leitura mais confortável aos leitores veteranos do jornal - que tem um ranso conservador, como o jornal, que tem mais de 130 anos de existência.

Desde 2004 não passava por mudanças - já estava na hora. A mudança não ficou só na versão impressa: o portal estadão (http://www.estadão.com.br/) também foi modificado; agora encontramos mais facilmente o que estamos procurando; a TV Estadão agora passará a ter mais conteúdo.

As mudanças mais significativas do jornal são as seguintes: o ex-libris (que é um homem em cima de um cavalo com uma corneta anunciando que o jornal chegou) ficou mais moderno; a primeira página deixa de ter seis colunas e passa a ter cinco, o que prioriza muito mais a importância do que está ali; novo cardeno de cultura no sábado, o Sabático, que trata de literatura e ensaios; assim o caderno 2 de sábado tratará somente de música; o antigo Cultura de domingo virou o Caderno 2 Domingo; um cardeno sobre meio ambiente, chamado Planeta; uma nova seção chamada Visão Global, na qual terá somente artigos de especialistas estrangeiros sobre determinado tema; Webesfera será uma outra seção em que nela o leitor encontrará o melhor da internet; o caderno Metrópole será escrito sob o princípio de "ajudar o leitor a sobreviver nessa imensa cidade de São Paulo".

Essas são as mudanças mais importantes. Se quiser saber a opinião de toda a equipe do Estadão sobre o Planejamento 2010 do grupo, veja o vídeo aqui.

Como leitor diário do periódico, eu aprovei a mudança!




sábado, 13 de março de 2010

Encontro das Velhas-Guardas

Aqui vai um vídeo de um encontro entre as Velhas-Guardas do Império Serrano - a anfitriã, no caso -, Padre Miguel, Salgueiro, Portela e Mangueira. O inédito encontro foi realizado em 2001 para homenagear a morte de Silas de Oliveira, maior compositor de samba-enredo do Império. Foi registrado - para nossa sorte! - e virou documentário, dirigido por José Maurício de Oliveira, produzido pela argumento Programas de TV e exibido pela TV Cultura e Arte, do Ministério da Cultura. Esta é a 4ª parte dele.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Luiz Ernesto Kaval, o colecionador de vozes

O jornalista e sua coleção.

Ele é um velho jornalista de 82 anos que há mais de 40 vem coletando depoimentos, canções, narrações de gols antológicas, entrevistas de cantores, shows e assim por diante. Seu acervo contempla um registro de cerca de 4.000 vozes.

Kaval, que teve um coluna de artes plásticas na Folha de São Paulo, e não é egoísta, agora quer doar sua valiosa coleção - mas não tem, ainda, sequer uma instituição que tenha manifestado interesse em se apossar da vozoteca, dar o devido tratatemento e torná-lo acessível a todos.

Enquanto nada acontece, fique com dois depoimentos. O primeiro é do político Tancredo Neves, discursando, dois dias depois de ser eleito no colégio eleitoral - como todos sabem, não chegou a assumir o cargo de Presidente da República, pois morreu. O outro é uma curiosa declaração do escritor Monteiro Lobato versando sobre a exploração do petróleo brasileiro.




Tancredo Neves dois dias depois de ser eleito.




Monteiro Lobato nacionalista.

Espero que a vozoteca LEK encontre logo uma hospedagem para termos a oportunidade de ouvir TODO esse tesouro sonoro da nossa história.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Adeus a Walter Alfaite


O sambista em sua alfaiataria em Botafogo, RJ.

Sábado passado morreu o portelense Walter Alfaiate, que integrava a ala dos compositores da Escola de Samba Portela desde 1980. Walter já estava internado em hospitais do Rio havia dois meses, e, neste último, seu quadro piorou muito. O sambista morreu de falência múltipla dos órgãos, mas sofria de enfisema pulmonar, insuficiência cardíaca, arritmia, insuficiência renal, gastrite e esofagite.

O corpo foi velado na manhã de domingo na sede do Botafogo, seu clube do coração, na zona sul do Rio. Sobre o caixão a bandeira azul e branca da Portela, a do Botafogo de Futebol e Regatas e seu elegante chapéu panamá.
Walter Alfaiate, ao longo de seus 50 anos de carreira, compôs mais de 200 sambas. Foi descoberto pelo grande público somente na década de 1970, quando o companheiro de escola Paulinho da Viola gravou três de seus sambas - "Coração Oprimido", "A.M.O.R. Amor" e "Cuidado, teu orgulho te mata".

Nas telonas
Em 2009 foi produzido um documentário sobre ele: Walter Alfaiate - A elegância do samba, que mostra a interação de Walter com seu ofício de alfaiate, suas andanças pelo bairro de Botafogo e depoimentos de amigos e artistas - dentre eles Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Regina Casé e Sérgio Cabral. Foi dirigido por um quinteto: Vital Filho, Emiliano Leal, Paulo Roscio, Vitor Fraga e Rommel Prata.

Para assistir ao trailer do documentário, clique aqui.
Para baixar discos dele, clique aqui.