quinta-feira, 31 de março de 2016

Sobre os vice-presidentes de nossa história

Legalmente, rompimento não muda status de vice; relembre casos

Ueslei Marcelino-16.dez.2015/Reuters
Brazil's President Dilma Rousseff (R) and Vice President Michel Temer listen to Brazil's national anthem before an annual lunch with general officers in Brasilia, Brazil, December 16, 2015. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: BSB113
O vice-presidente, Michel Temer, e a presidente Dilma Rousseff, em Brasília


Do ponto de vista legal, um desacordo entre o presidente e seu vice não altera as prerrogativas que cada um deles adquiriu em razão da eleição: ambos continuam ocupando seus cargos, mesmo que passem a militar em campos políticos opostos.

O vice de Prudente de Morais (1894-1898), Manuel Vitorino, rompeu abertamente com o presidente. Quando este se licenciou do cargo em razão de uma enfermidade, Vitorino trocou o ministério, comprou uma nova sede para o governo federal (o Palácio do Catete), arrendou estradas de ferro.

Só que Prudente se restabeleceu e, quatro meses depois, reassumiu a Presidência. Mesmo rompidos, cada um continuou no cargo até o fim do mandato.

Existe, porém, uma grande diferença entre Manuel Vitorino e Michel Temer: o respaldo eleitoral. Até o regime militar (1964-1985), os vice-presidentes eram eleitos separadamente pela população. Em 1955, o vice João Goulart recebeu mais votos que o presidente Juscelino Kubitschek. Na época, os vices dispunham também de mais atribuições –as Constituições de 1891 e 1946 estipulavam que também exerciam a presidência do Senado.

Quando presidente e vice eram eleitos separadamente, a possibilidade de divergência entre eles era, em tese, maior. Getúlio Vargas nunca confiou em Café Filho, e Jânio Quadros tampouco tinha afinidade com João Goulart.
A partir de 1966, porém, presidente e vice passaram a ser eleitos em chapa única –e esse procedimento foi mantido nas eleições diretas a partir de 1989. Na prática, o eleitor vota no candidato a presidente e, ao mesmo tempo, elege um substituto legal.

O mesmo ocorre com os vice-governadores, os vice-prefeitos e os suplentes dos senadores. Os "votos" que eles receberam se destinavam, a rigor, ao cabeça da chapa. Mas nem por isso eles se sentem obrigados a apoiar o titular em todas as ocasiões.

Em 1984, Aureliano Chaves rompeu com João Figueiredo (1979-1985) e se alinhou à oposição, e em 1992 Itamar Franco se distanciou de Fernando Collor (1990-1992). Fernando Henrique e Lula ainda puderam contar com vices extremamente fiéis –Marco Maciel e José Alencar, respectivamente. Dilma não teve a mesma sorte. 

Lembranças de 'Mani Pulite'



*Retirado da coluna do Contador Calligaris. Folha, quinta-feira, 31/3/16.


No começo dos anos 1990, na Itália, um grupo de magistrados milaneses (o mais popular foi Antonio di Pietro) tentou acabar com os esquemas de corrupção (antigos e tradicionais) que ligavam empresários, financistas e políticos.
Esse sistema viciado enchia os bolsos dos políticos (pessoas físicas) e financiava os partidos com comissões que as empresas pagavam para ganhar contratos públicos.

Anos antes, Sandro Pertini, presidente da República (honesto), declarara que um político deveria sempre ter as mãos limpas ("le mani pulite"). A expressão ficou e voltou em 1992, para batizar a "operação" dos magistrados milaneses.
Naquela década, eu vivia entre o Brasil e os EUA, mas visitava regularmente meus pais e meu irmão em Milão —por isso mesmo, minhas impressões daqueles anos são sobretudo o reflexo dos anseios e dos medos de meus familiares, que estavam lá, na Itália.

Já nos anos 1980 e antes (pela podridão do "milagre italiano", que reconstruiu o país depois da Segunda Guerra Mundial), havia uma tremenda desconfiança dos italianos diante da política tradicional.

Salvavam-se só os comunistas. Mas isso talvez fosse uma ilusão de óptica produzida pela minha própria história de militância. Ou pelo fato de que os comunistas ficaram quase sempre longe do poder executivo nacional.

O fato é que, para o italiano médio, qualquer governo roubava e roubaria. Os brasileiros não pensariam (não pensam) muito diferente: o grito "Roma ladra" poderia facilmente ser traduzido, ainda hoje, como "Brasília ladra".

A partir de "Mani Pulite", em 1992, ganharam espaço um movimento antimáfia e anticorrupção (fato curioso: ele se chamava "La Rete", a rede), e um movimento de direita do qual Bolsonaro, Feliciano e companhia gostariam (a Liga Norte).
De qualquer forma, a opinião pública estava, forte e unida, com o Ministério Público e com os juízes.

Pipocavam escritas nos muros de Milão: "Di Pietro, não volte atrás! Não perdoe!". De uma, em particular, me lembro bem —a que eu li estava num muro de tijolos, talvez na parte externa da Universidade de Milão: "Di Pietro, facci sognare" (Di Pietro, faça a gente sonhar).

Era isso mesmo, os italianos sabiam que aquilo seria, ao menos em parte, um sonho.

Os inimigos naturais de "Mani Pulite" se oporiam de todas as maneiras possíveis. De 1992 a 1996, políticos tradicionais e empresários desonestos lutaram para sujar os magistrados milaneses —foi sem muito efeito. No meio de 1992, os juízes Giovanni Falcone e Paulo Borsellino foram assassinados pela Máfia (a relação entre a Máfia e a classe política era o pano de fundo sombrio da corrupção).
Mesmo assim, aos poucos, na Itália, o jeito de fazer política mudou para sempre. Sumiram os partidos que tinham se tornado instituições fisiológicas. Imagine o que isso poderia significar hoje no Brasil.

A política italiana de hoje (a própria figura do primeiro-ministro Renzi) seria impensável sem "Mani Pulite". E ela é infinitamente melhor do que ela era no passado.

Há quem diga, aqui no Brasil, que o resultado de "Mani Pulite" foi Berlusconi. Isso é historicamente falso: ao contrário, Berlusconi se instalou no poder por uma década a partir de 2001, justamente quando os italianos se cansaram de "Mani Pulite".

Porque, de fato, eles se cansaram. De quê? Do fedor da lama? Do clima paranoico? Será que o mesmo cansaço nos espreita?

Não sei, mas o fato é que, em geral, quando a corrupção é o sistema de governo, é porque ela é também a forma dominante da vida social, pública e privada.
Você dá R$ 20 a um colega para que ele faça seu dever de casa. Isso é possível porque os políticos, lá em cima, são corruptos? Ou é o contrário: os políticos, lá em cima, se permitem ser corruptos porque sabem que a corrupção é a regra aqui em baixo, na nossa vida cotidiana?

O cidadão médio vive de pequenas corrupções: venda e compra de pontos na carteira, notas fiscais não emitidas, colas numa prova, pequenas sonegações e fraudes...

Ele pede transparência e honestidade até se dar conta de que muitas de suas ações são filhas da mesma confusão que ele denuncia no político: uma incapacidade de distinguir os interesses públicos dos interesses privados.

Não basta que uma boa faxina seja pelas calçadas e pelas praças; ela precisa acontecer em casa. Isso seria uma verdadeira mudança cultural...

Vou continuar sobre público e privado. 

domingo, 27 de março de 2016

Jornalista do nada

Com a internet e a facilidade de acesso a novas tecnologias, qualquer cidadão pode ser um jornalista em potencial. Basta estar com um smartphone (celular inteligente) para a mágica acontecer. Cada vez mais pessoas presenciam acontecimentos relevantes e os registram, seja com fotos ou por meio de vídeos. Programas e noticiários de TV perceberam esse rico material e têm fomentado cada vez mais a sua utilização. É o jornalismo colaborativo. Em um momento em que as redações estão cada vez mais enxutas de jornalistas "formados", é a saída para a crise, dizem os gestores.

Aí está o exemplo mais recente. Uma ativista, identificada apenas como Ana Claudia, reconheceu por acaso o ministro do STF Celso de Mello passeando em um shopping e o abordou. O ministro topou ser filmado e respondeu as suas perguntas. Bingo! O que é isso senão uma entrevista? Estar no lugar certa, na hora certa e ter em mente as perguntas certas. Ana Claudia preencheu todos esses requisitos e a entrevista repercutiu tanto nas redes sociais, num primeiro momento, como nos principais veículos de informação.

Todos, agora, são jornalistas em potencial. Abaixo, a notícia da Folha:

Ministro do Supremo diz que corrupção tomou conta do governo

Em vídeo na internet, Celso de Mello afirma que impeachment não e golpe