segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Histórias curiosas da Imprensa








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Em 1983, o jornalista Paulo Francis, então correspondente da Folha em Nova Iorque, e o cantor e compositor Caetano Veloso, trocaram palavras nada elogiosas. Francis escreveu um artigo criticando o comportamento e quase toda a entrevista que Caetano fizera com o astro dos Rolling Stones, Mick Jagger, em um programa da TV Manchete. Chamou-o de "despreparado, submisso" e de outros adjetivos infames. Caetano não silenciou, embora demorasse três meses para responder: xingou Francis de "bixa amarga" em uma coletiva para um show que estava fazendo. O que rendeu ainda uma réplica de Francis.

A discussão rendeu uma pauta para o pessoal da Ilustrada. Ruy Castro então decidiu fazer uma enquente: perguntar a 40 pessoas influentes do país, dos diversos campos da arte e do conhecimento, a quem dos dois preferiam. Há quem respondeu um ou outro, nenhum ou ambos.

Confira a matéria aqui.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A carta de Candeia, Paulinho da Viola e outros sambistas à PORTELA


Aqui vai uma carta feita por Candeia, Paulinho e outros portelenses alertando sobre os rumos que o GRES PORTELA vinha tomando pelos anos de 1975. Defendem, nela, o carnaval como livre manifestação do povo, e as escolas de samba como entidades responsáveis por isso.

Neste mesmo assunto, no programa Ensaio, da TV Cultura, que era dirigido por Fernando Faro, um dos maiores diretores de programas musicais da televisão, Paulinho da Viola em um dos programas recebe o grupo Os Quatro Crioulos (Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho, Élton Medeiros e Anescarzinho do Salgueiro, se não me falha a memória), e discutem em dado momento sobre a mercadologização do carnaval do Rio. Élton Medeiros fundamenta que hoje (naquele tempo) as escolas são comandadas por presidentes que não têm vínculo algum com a escola, a não ser o financeiro; que um bom tamborinista hoje está varrendo a quadra da escola, enquanto outros - que nem são tão bom assim - tomam o lugar dele na bateria porque conhecem o diretor, o presidente etc. Paulinho da Viola é mais saudosista, e relembra aqueles tempos áureos dos ensaios nas quadras em que se começava um samba na roda - como por exemplo "Esta Melodia" (Bubú/Jamelão), "Senhora Tentação" (Cartola) - e todos da escola cantavam alegremente. Hoje ninguém mais conhece esses sambas; quando muito, sabem os sambas campeões dos últimos anos...

É... são tempos que nunca mais vão voltar. Este programa está na rica coleção "A Música brasileira desse século por seus autores e intérpretes", organizada pelo Sesc, que contém diversas pastinhas com CDs e um livro sobre os autores e suas letras, em cada uma delas.

Se há quase três décadas atrás a situação das escolas e do carnaval já era ruim, imagine o que estes bambas não diriam hoje... em que a cobertura da imprensa no carnaval se resume apenas à nudez das rainhas de bateria.

Segue a carta:





Candeia escreveu esta carta junto de outros portelenses, como Paulinho da Viola, para mostrar suas insatisfações em torno das transformações que a estrutura da Portela vinha sofrendo, o que se pode resumir na perda gradativa da tradição e do padrão de qualidade.Na verdade, Candeia e os outros previram o que seria a realidade das escolas de samba nos dias de hoje: cada vez mais empresas, mais vendidas, menos raíz. Leiam!



"ÀDiretoria do GRES PORTELA




Rua Arruda Câmara, 81Madureira –


GBAt.: Sr. Carlos Teixeira Martins


Prezados Senhores:




Com o intuito de prestar uma colaboração efetiva à Portela e, de acordo com a solicitação feita pela Presidência, vêm os signatários desta apresentar suas considerações, que julgam válidas, para o necessário aperfeiçoamento das atividades e desempenho de nossa Escola. O que expomos, no documento anexo, não é o pensamento isolado de qualquer um de nós. É, precisamente, a opinião do grupo que, em discussão franca e aberta, predominou sobre eventual ponto de vista particular. Assumimos, pois, inteira responsabilidade pelas opiniões emitidas. Em nosso documento procuramos focalizar os aspectos que, pela sua importância dentro da Escola e pelas implicações que possuem com os desfiles de carnaval, devem merecer prioridade no conjunto de providências que, acreditamos, deverão ser tomadas a fim de que a Portela reassuma a posição de liderança que sempre foi sua, por direito e tradição, no cenário do samba e da nossa cultura popular.


Cada um de nós possui uma experiência no trato dos problemas da Portela, muito através do convívio direto com os componentes da Escola. Foi exatamente essa experiência que, aliada aos conceitos, de que comungamos, de respeito ao samba e às nossas tradições que, de uma forma geral, conduziu nossas opiniões. Acreditamos que os insucessos que vêm ocorrendo com a nossa Portela têm suas razões principais dentro da própria Escola.Acreditamos que a solução dos nossos problemas depende exclusivamente de nós.


Atenciosamente,
André Motta Lima
Antônio Candeia Filho
Carlos Sabóia Monte
Cláudio Pinheiro
Paulo César Batista de Faria




1 - INTRODUÇÃO


Escola de samba é Povo em sua manifestação mais autêntica! Quando se submete às influências externas, a escola de samba deixa de representar a cultura do nosso povo.Se hoje em dia são unânimes opinião e posição contrárias da imprensa em relação à Portela, é porque a Portela, apesar de sua tradição de glória, se deixou descaracterizar pelas interferências de fora. Aceitou passivamente as idéias de um movimento que, sob o pretexto de buscar a evolução, acabou submetendo o samba aos desejos e anseios das pessoas que nada tinham a ver com o samba. Durante a década de sessenta, o que se viu foi a passagem de pessoas de fora, sem identificação com o samba, para dentro das escolas. O sambista, a princípio, entendeu isso como uma vitória do samba, antes desprezado e até perseguido. O sambista não notou que essas pessoas não estavam na escola para prestigiar o samba. E aí as escolas de samba começaram a mudar. Dentro da escola, o sambista passou a fazer tudo para agradar essas pessoas que chegavam. Com o tempo, o sambista acabou fazendo a mesma coisa com o desfile.Essas influências externas sobre as escolas de samba provêm de pessoas que não estão integradas no dia-a-dia das escolas. E por não serem partes integrantes dessa cultura popular, que evolui naturalmente, são capazes de se deixar envolver pelo desejo de rápidas e contínuas modificações, que atendam a sua expectativa de sempre ver ‘novidades’. A despeito de algumas boas contribuições deixadas por pessoas que agiam sem interesses pessoais, e pensando no samba, a maior parte dos palpites tratava de submeter as escolas ao capricho dos intrusos. Começou a existir um clima de mudanças baseado no que as pessoas gostariam de ver e isso tudo levou às deturpações e defeitos que tanto atrapalham as escolas de samba, em todos os seus setores. Atualmente já se notam reações generalizadas contra as apresentações de escolas afastadas da autenticidade. Essas reações estão concentradas, em grande parte, em pessoas capazes de conduzir a opinião pública. São as mesmas que anteriormente divulgavam a ‘novidade’ de cada ano; e o que fosse divulgado e falado como certo, fosse o que fosse, era aceito por todos. Pois essas pessoas esperam agora uma reação contra as deturpações do samba.Consideramos que este é o momento de fazer a única evolução possível, com o pensamento voltado para a própria escola. Ou seja, corrigindo o que vem atrapalhando os desfiles da Portela, que tem confundido simples modificações com evolução. É preciso ficar claro que nem tudo que vemos pela primeira vez é novo.E que o novo, que pode servir a uma escola, num determinado momento, pode não servir a outra. A Portela adotou a Águia porque era o símbolo do que voa mais alto, acima de todos. E, inatingível, a Portela nunca imitava nada dos outros. Sempre criava. Hoje, o que a Portela está fazendo é procurar copiar o que se pensa que está dando certo em outras escolas.Voltando a olhar o samba por si mesma, a Portela voltará a ter os valores imprescindíveis, que tanto serviram para afirmar sua glória. Enganam-se os que pensam ser impossível recobrar esses valores.Esses valores foram capazes de fazer com que todos aguardassem a nossa escola com a expectativa de que veriam alguma coisa original. E o original, no momento, é ser fiel às origens. A Portela é a mais acusada quando se criticam deturpações no samba. É necessário ouvir toda a escola.




CRÍTICAS QUE JULGAMOS CONSTRUTIVAS


2.1 - A centralização se tornou demasiada na Portela. As diretorias, de algum tempo para cá, passaram a não mais ouvir as solicitações do componente, nem procurar explicar a ele suas decisões. A organização do Carnaval passou a ficar a cargo de poucas pessoas. Muita gente fica sem saber o que fazer. No desfile, isso se reflete no grande número de diretores responsáveis, que não sabem como agir.


2.2 - O gigantismo, sem dúvida, atrapalha a escola. Todos os setores são prejudicados por ele. É unânime a opinião de que a Portela cansa, porque ninguém agüenta ver um desfile arrastado. No entanto, o gigantismo é uma falha que decorre da própria escola e das influências externas que agem nefastamente sobre ela. Donos de alas conquistam seus figurantes, procurando agariá-los sem atender os verdadeiros interesses da Portela. Faltam medidas administrativas corajosas capazes de eliminar esse problema...


2.3 - O figurinista, ainda que famoso, precisa conhecer a Portela profundamente. Não adianta imaginar figurinos sem levar em conta os componentes da escola. Como resultante, as fantasias têm sido confeccionadas em total desacordo com os figurinos apresentados. Algumas alas tomam a si a iniciativa de escolher suas próprias roupas, sem levar em conta o enredo e o figurino recebido e nenhuma medida punitiva ou preventiva é tomada pela diretoria.


2.4 - Há anos gasta-se dinheiro para construir alegorias grandiosas. O resultado nunca é o esperado, porque o responsável pelo barracão não está integrado na escola. Os carros são pesados, difíceis de conduzir, quebram e prejudicam a escola. A partir de uma determinada época, generalizou-se a idéia de que a alegoria de mão era uma solução visual que emprestaria leveza e facilidade ao desfile. Na realidade, o que se vê é um obstáculo que não deixa sambar e tira a liberdade de expressão dos sambistas. As alegorias de mão, atualmente, atualmente, se constituem num recurso ilícito para valorizar a participação de alas que não sabem sambar. E, além disso, as alegorias, de mão ou de carro, não podem ser olhadas separadamente como um simples conjunto de julgamento. São antes de mais nada partes integrantes que devem ajudar a contar o enredo e valorizar o desfile da escola.


2.5 - Sob o pretexto de buscar uma comunicação mais imediata, a Portela vem restringindo a liberdade de criação de seus compositores. Além disso, os sambas de enredo vêm sendo escolhidos ao sabor de gostos pessoais e pressões comerciais.


2.6 - Os destaques, quando não constituem parte integrante do enredo, representam um obstáculo ao correto desfile da escola. Eles atrapalham na armação, dimensão e harmonia da escola, pois, invariavelmente, não cantam, separam e quebram a evolução da Portela. Alem disso, a Portela está cheia de destaques intrusos. O número excessivo de destaques na escola só faz prejudicar o bom desempenho da Portela na avenida.


2.7 - Não é possível continuarem os integrantes da escola sem acompanhar de perto tudo o que se passa na Portela. Não é possível que muitos saiam sem saber ao menos como se armar e se portar no desfile, e o que representam no enredo. Sem saber o quanto é importante a sua participação. Os componentes não têm consciência de que são eles a própria escola.


2.8 - A Portela tem deixado de lado seu papel de liderança no samba. A escola vem aceitando todas as contingências do regulamento, sem levar em conta não só seu papel inovador como a sua posição de contribuinte para a própria evolução do samba. Não podemos e nem devemos ficar a reboque de outras escolas, sem assumirmos nossa posição quanto ao destino das escolas de samba, independente de vantagens momentâneas que possamos aferir.




3 - NOSSAS SUGESTÕES


3.1 - Direção A direção da escola precisa urgentemente separar suas atividades em dois setores: administrativo e carnavalesco.O setor ‘administrativo’ funcionará na atual foram da diretoria, compreendendo seus atuais encargos acrescidos das tarefas de fortalecimento da organização e do patrimônio da escola, promovendo todas as demais atividades paralelas voltadas para o melhor atendimento dos portelenses (atividades culturais, recreativas e sociais).O setor ‘carnavalesco’ englobará todas as atividades ligadas ao carnaval, sob a responsabilidade exclusiva de uma ‘comissão de carnaval’, formada com poderes efetivos para a elaboração de todo o planejamento e execução do Carnaval, seguindo um orçamento financeiro aprovado pelo setor administrativo.A ligação entre o setor administrativo e a comissão de Carnaval será feita por um sistema de representação oficial que garantirá o vínculo e a uniformidade de ação dos dois setores.O trabalho da comissão de Carnaval só terá efetivo valor para a Portela, se for realizado com a máxima liberdade, dentro de um relacionamento respeitoso e democrático com o setor administrativo da direção de escola.Assim sendo, todos os encargos relacionados com o Carnaval só poderão ser desempenhados pela comissão, inclusive a divulgação do enredo.Os componentes da comissão de Carnaval deverão ser selecionados dentre os elementos mais representativos e conhecedores da escola e suas características. Caberá à comissão de Carnaval indicar os diretores que terão responsabilidade direta sobre o desfile, que serão os únicos investidos de autoridade para agir junto à escola. Não serão permitidos diretores de alas que não estejam integrados em suas próprias alas.


3.2 - Gigantismo Este problema será combatido com a adoção das seguintes medidas: proibição sumária de inscrição de novas alas na Portela; limitação do número de componentes em cada ala; eliminação de alas sem representatividade na Portela; estímulo à fusão de alas de pequeno contigente; criação de um regulamento para as alas que estabeleça, entre outras obrigações, o cadastramento das alas, o ingresso dos componentes no quadro social da Portela e a presença das alas nos ensaios com a bateria, segundo um programa a ser elaborado.Estas medidas visam limitar o efetivo da escola a 2500 figurantes distribuídos por, no máximo, cinqüenta alas.No processo de redução do efetivo da escola serão levados em consideração: antiguidade, obediência ao figurino e desempenho nos últimos anos.


3.3 - FantasiasO figurinista escolhido pela comissão de Carnaval deverá ser obrigado a realizar um sério trabalho de pesquisa em torno do enredo, procurando adaptar a execução dos figurinos aos anseios dos componentes da Portela.Se possível deverão ser recrutados auxiliares diretos do figurinista entre pessoas que pertençam á escola e que já tenham participado anteriormente de trabalhos desse gênero, capazes de refletir os gostos e desejos dos portelenses.Para facilitar a fiel execução do figurino por parte das alas, será preparada uma fantasia modelo para cada ala, com indicação de tipos de tecido a serem usados, preços dos materiais e local onde poderão ser adquiridos.A comissão de Carnaval ficará encarregada da fiscalização direta da confecção por parte das alas.Deverá ser criado um grupo sob o comando de um representante da comissão de Carnaval, que disponha de amplos poderes para retirar da concentração pessoas estranhas à Portela vestindo fantasias não aprovadas pela comissão de Carnaval.Esse grupo teria autoridade para controlar também as alas que desobedeçam ao critério de redução.


3.4 - Alegorias É muito importante a escolha de um artista capaz de dar confecção leve, com material moderno, à concepção dos carros. O artista precisa estar integrado à escola, não criando isoladamente. E deve também formar um grupo egresso da própria escola, que irá ajudá-lo e será aprimorado por ele.Os carros devem contar o enredo e terão seu número determinado de acordo com as reais necessidades do mesmo. Também as alegorias de mão terão seu número reduzido apenas ao imprescindível à ilustração do enredo.Vale deixar clara nossa posição: alegorias como fantasias só têm razão de ser enquanto arte popular.Como existe, por força de regulamento, o caráter de competição, a escola é obrigada a contratar artistas mas, deve, dentro do possível, limitar a criação dessas pessoas ao âmbito da cultura popular, que caracteriza a escola de samba. E lutar para quer, no futuro, integrantes da escola reúnam condições de fazer, eles mesmos, as alegorias e fantasias.


3.5 - Samba enredo É preciso urgentemente rever os conceitos criados a partir da idéia de que o samba curto é o mais comunicativo. É preciso dar total liberdade de criação ao compositor, quanto ao número de versos.A escolha do samba de enredo será feita pela comissão de Carnaval, levando em consideração a opinião geral dos compositores e, também a opinião dos componentes da escola. Terá de ser definitivamente afastada a hipótese de se levar em conta torcidas e interesses na escolha do samba de enredo. A colocação em quadra deve ser útil para mostrar o andamento do samba e a sua adaptação à escola. E, em nenhuma hipótese, deve ser aceita a interferência de pessoas de fora da escola.A responsabilidade da escolha e da definição dos sambas de enredo que irão para a quadra será exclusiva da comissão de Carnaval. Como norma que facilita e aprimora o contato entre os compositores, será obrigatório o mínimo de dois compositores para cada samba de enredo.Mas nem só de samba de enredo vive uma escola. A atenção ao trabalho dos compositores anima e eleva a própria escola. Por isso, consideramos de grande valia a abertura de um concurso interno de sambas de terreiro interno, só de compositores filiados à Portela. O samba de terreiro deverá voltar a ser ensaiado no meio da quadra, com prospectos e sem bateria, para dar chance ao compositor de avaliar a reação de seu próprio samba.Ainda para fortalecimento e levantamento de valores da escola, sugerimos um festival de partido alto (olha só que interessante!), organizado pela Velha Guarda, com todas as implicações de desafio e samba no pé. Será também importante proibir a entrada de novos compositores, condicionando a filiação á abertura de vagas na ala dos compositores.Com sentido de melhor representar a escola, os compositores deverão organizar coros masculinos e feminino, com respectivos solistas, a fim de representar a escola em gravações e exibições. Os solistas serão também puxadores oficiais de samba da escola. Além dos coros, será formado um regional oficial.


3.6 - DestaquesO número de destaques precisa ser determinado a cada ano, para atender exclusivamente às reais necessidades do enredo, de acordo com critério da comissão de Carnaval. as pessoas que estão saindo de destaque, se não forem julgadas convenientes á escola, serão convidadas a sair em alas, exceção feita, naturalmente, aos destaques tradicionais da escola. Não deverão ser mais admitidos os destaques de ala.


3.7 - Participação de componentesAs alas, por força de regulamento acima citado, têm de se reunir com maior freqüência com a diretoria. Não só para resolver problemas de estrutura, como também para melhor entender o Carnaval que a escola quer mostrar.Os diretores responsáveis pelas alas, além do aspecto de trabalho mais íntimo com os componentes, precisam se interessar pelo trabalho de orientação da escola a respeito da maneira mais correta de desfilar.Para que sejam definidas as atitudes durante o desfile, sugerimos a efetivação de ensaios com alas, nos moldes do desfile (Ex.: sair pelas ruas com a bateria).Também é importante a volta do autêntico ensaio geral, com a formação das alas em sua ordem de desfile.Em ambos os casos, as alas precisam ser orientadas sobre a maneira de armar na avenida, evitando a postura do bloco – um vício que vem dos ‘bailes de Carnaval’ em que se transformaram os ensaios da escola.Além da divulgação referente ao Carnaval, é preciso fortalecer os vínculos entre diretoria e componentes. Os componentes precisam participar mais de todas as atividades da escola. E para ajudar este processo sugerimos a imediata criação de um jornal interno da Portela, de um quadro de avisos na sede e também uma caixa de sugestões e críticas. O importante é que todos, sem distinção, tenham liberdade de opinião e possam se manifestar.


3.8 - Posição externaA Portela precisa assumir posição em defesa do samba autêntico. Isso não significa um retorno à década de 1930, mas uma posição de autonomia e grandeza suficientes para só aceitar as evoluções coerentes com o engrandecimento da cultura popular. É preciso olhar o regulamento de desfile sob o ponto de vista do samba. É necessário que a Portela lidere um movimento que obrigue a existência de um critério de julgamento autêntico e preestabelecido pelas escolas de samba. A Portela, e as escolas de samba em geral, não podem mais ficar sujeitas ás vontades dos que vivem fora do dia-a-dia do samba.




4 - CONCLUSÃO


Estamos certos de que as sugestões indicadas constituem a correta solução para os problemas da Portela.Não nos movem intenções de cargos ou de prestígio pessoal.Cremos ser necessárias mudanças de estrutura profunda, a cargo de pessoas certas para isso, que terão nosso irrestrito apoio.Estamos dispostos a apoiar os que se proponham a realizar essas mudanças, que julgamos inadiáveis, e a colaborar na medida de nossas possibilidades, discutindo e aplicando as proposições.Os signatários desse documento concordam inteiramente com os seus termos e se propõem à sua defesa em qualquer momento, em qualquer condição, a qualquer tempo.Estamos dispostos à discussão e ao debate que resultem numa posição comum em defesa da autenticidade do samba e da nossa Portela.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Da morte do CD

Infelizmente, pertenço a uma geração de transição -não só secular, mas também cultural-comportamental-, e isso me preocupa. Lê-se, ouve-se, fala-se em todos os lugares sobre novas mídias ou convergências de mídias. Conceitos como interatividade, web2.0 (por mais abstrato que me pareça ser), software livre... são, inevitavelmente, incorporados ao vocabulário de qualquer um que faz usufruto da Internet.
Me sinto meio deslocado no tempo, porque não sei me dar muito bem com essa ideia inexorável de morte das coisas -não falo de morte de pessoas, porque isto é difícil para todos, naturalmente-, de objetos com os quais você é/era muito apegado e que, querendo ou não, começam a extinguir-se.
A minha geração, por exemplo, que é a de quem nasceu no final de 80, presenciou a morte de uma porção de coisas com que éramos muito apegados. Os desenhos de super-heróis japoneses, como Giraia, Flashman e Jaspion; o walk-man; o BIP (quem efetivamente o usava?); sem dizer as guloseimas, como o biscoitinho de ursinhos fofis.

Para falar da morte de mais um objeto com o qual nos identifica(va)mos muito e que, curiosamente, morre como carrasco de seu antecessor, o LP, publico um texto do grande jornalista e biógrafo Ruy Castro, um cara que tenho muita adimiração pelo que escreve e pelas obras que fez.

Aqui vai um dos capítulos do livro "Tempestade de Ritmos - jazz e música popular no século XX", Companhia das Letras, organizado por Heloisa Seixas, mulher de Ruy. Ele é grande testemunha dessas mortes de que venho falando, por isso ninguém melhor do que ele para falar da morte do CD, já que tem um vasto conhecimento da música do Brasil e do mundo.



A música que surge do nada


Você se distraiu e o CD sumiu – já reparou? Aconteceu o que se previa desde fins do século passado (e só dizer isto já impregna a cena com um certo aroma de remédio de barata): o desaparecimento do último suporte material para se ouvir música. O disco, não importa em qual formato, estava condenado a desaparecer, sendo substituído pelos sons que viriam do espaço – também não importando onde este estivesse e, como diria o Woody Allen, até que horas ficasse aberto. Pois as previsões se confirmaram. A música hoje se espreme em aparelhinhos menores que uma caixa de fósforos, os quais tendem a diminuir ainda mais para caber, quem sabe, num ponto grampeado ao lóbulo, ou talvez num piercing espetado ao tímpano. A idéia é a de que, em breve, o ato de ouvir música dispense qualquer objeto físico – inclusive as orelhas.Isso significa que, em apenas cem anos, o som gravado terá passado do suporte mecânico mais grosseiro para o incorpóreo quase absoluto – das chapas primitivas, tocadas em gramofones do tamanho dos antigos orelhões, para a música que hoje surge de qualquer lugar. Portanto, preencha com livros ou com vasos de cerâmica marajoara as lindas estantes novas com que você presenteou sua coleção de CDs. Para acomodar sua futura e imensa discoteca virtual, um espaço vazio no meio do nada será suficiente. E, se você pensa que passaremos incólumes por isto, engana-se. Esta revolução não afeta apenas as gravadoras, os fabricantes de CDs e a indústria do plástico (usado para fabricar as caixinhas e aqueles infernais invólucros). Afeta também as gráficas, os designers de capas, os fotógrafos, os ilustradores, os autores dos textos dos encartes, as lojas de discos e, por fim, mas não menos importante, o próprio consumidor de música. Este, subitamente órfão de um objeto que contivesse o disco, já está se perguntando: Para onde foi o prazer visual que sempre se ligou ao ato de ouvir música?Bem, para ser justo, devo dizer que esse prazer visual não nasceu com a música, mas foi algo que se incorporou a ela na medida que a indústria do som gravado se desenvolveu. Do rolo mecânico de fins do século XIX ao disco de dez ou doze polegadas, feito de goma-laca e cera de carnaúba, e rodando a 78 r.p.m., o salto foi rápido – cerca de dez anos. Mas, a partir daí, esse objeto reinou sobre nós por quase cinqüenta anos, até 1948. E seu apelo visual era pobre. O disco vinha dentro de um envelope de papel pardo, trazendo as insígnias do fabricante, as quais podiam estar cercadas de todo o rococó possível, mas só isto. Um buraco no meio do envelope permitia ler o selo colado no disco com as informações básicas: o nome da canção, do compositor e do intérprete, e o logotipo da gravadora. Cada face comportava de três a cinco minutos de música, o que era suficiente para a música popular, e, por isso, esse disco vinha num envelope individual. Já uma sinfonia, que era mais longa, obrigava a que vários discos fossem gravados em série e acomodados num álbum, mas este também não trazia nenhum apelo gráfico – suas capas, de couro ou papelão marrom ou verde-escuro, serviam apenas para dar as informações essenciais. As coisas só começaram a mudar quando, em 1939, um artista gráfico americano chamado Alan Steinweiss descobriu que as capas dos álbuns podiam comportar grafismos variados, como letras e desenhos coloridos, para torná-las mais atraentes e visíveis nas lojas.Em 1948, uma nova técnica de gravação em microssulco fez com que os álbuns de 78s fossem compactados num único disco fabricado com vinilite, rodando a 33 r.p.m. e contendo de quinze a vinte minutos de música por face. Por rodar mais devagar e conter mais tempo de música, esse disco foi chamado de long playing – longa duração. Mas, no começo, apenas sua criadora, a gravadora Columbia (a mesma, aliás, que introduzira os desenhos e grafismos nas capas dos álbuns de 78s), podia usar essa marca. O mesmo quanto à abreviatura com que, na intimidade, os long playings passaram a ser chamados – LPs. E supunha-se também que esses novos discos de microssulco fossem inquebráveis, daí a orgulhosa classificação que eles traziam na contracapa: unbreakable microgroove. Na verdade, não eram tão inquebráveis assim – se caíssem de quina, costumavam quebrar –, e o comprador ainda corria o risco de destroncar a língua ao tentar pronunciar a expressão em inglês.Os LPs vinham no tamanho de dez polegadas (25 cm de diâmetro), para os discos de música popular, e de doze polegadas (33 cm), para os de música clássica. Mas, rapidamente, essa divisão acabou, e os dois formatos, aplicados a todo tipo de música, conviveram até 1954, quando o 12 polegadas se impôs e o formato menor foi abandonado. (No Brasil, que foi o terceiro país do mundo a adotar o LP, em 1951, atrás apenas dos Estados Unidos e da França, os LPs de dez polegadas só foram tirados de linha em 1958.) E, depois desse longo intróito, chegamos ao ponto que nos interessa: o LP de doze polegadas, finalmente estabelecido como um veículo perfeito para o design aplicado à música. É só pensarmos nos seus invólucros – as capas.Um LP simples era composto de um único disco, ensanduichado num envelope de cartolina, composto de uma capa e de uma contracapa, esta geralmente reservada para a lista das músicas ou para uma breve biografia do artista. Durante muitos anos foi assim, e éramos felizes com tal arranjo. Mas, em certo momento, os LPs começaram a publicar as letras das músicas e a exigir capas duplas ou triplas – as possibilidades gráficas também se multiplicaram, com fotos que se abriam em gloriosos spreads. E quando os LPs propriamente ditos duplicaram ou triplicaram dentro das capas, qual foi a solução? Acomodá-los em caixas, permitindo que o material gráfico também se expandisse num alentado encarte, cheio de fotos e textos. E não ficou nisso. Vários outros formatos revolucionários foram experimentados, como as capas de plástico costurado (adotadas apenas no Brasil, pela antiga Odeon, de 1958 a 1970) ou as de papelão muito grosso, quase indestrutíveis, inventadas nos Estados Unidos pela gravadora Command e usadas no Brasil com exclusividade pela Musidisc.E o projeto visual propriamente dito das capas? Não há fã de jazz ou de música popular que desconheça nomes de artistas gráficos como David Stone Martin, capista do produtor Norman Granz na gravadora Verve, ou do independente Burt Goldblatt, autor de algumas das capas mais loucas e bem achadas de discos de Carmen McRae ou de Stephen Sondheim. No Brasil, também tivemos grandes artistas do gênero, nenhum deles maior do que Cesar Villela, mais famoso hoje pelas inconfundíveis capas do selo Elenco, de Aloysio de Oliveira, entre 1962 e 1965 – objeto de não sei quantos estudos e teses universitárias nos últimos anos. Mas outros capistas, como Paulo Brèves, Paez Torres, Joselito e Eddie Moyna, tinham igualmente um trabalho de nível internacional.Tudo isso aconteceu nos anos 50 e 60, as maiores décadas na história do LP em matéria de artes gráficas. Nos últimos tempos, o universo das capas tem sido reconhecido como uma categoria à parte entre essas artes e rendido uma quantidade de livros espetaculares – quase todos no próprio formato quadrado dos LPs, de 33x33cm, o único a fazer justiça à grandeza e beleza das capas. É quase um gênero em si. Pois, depois de babarmos com tantos livros do gênero produzidos nos Estados Unidos e na Europa, finalmente, em 2005, tivemos o nosso, o monumental Bossa Nova, organizado por Caetano Augusto Rodrigues e Charles Gavin e editado pela Petrobrás – pena que numa edição fora do comércio.Por que a arte do LP se tornou de repente uma coisa tão nobre? Porque, desde meados dos anos 80, o LP foi ferido de morte e, logo depois, transformado em defunto pela instauração do CD. E, como sempre, quando um veículo é alijado do mercado, é hora de conferir-lhe status de “arte”. Na verdade, foi preciso que os CDs, lançados pela holandesa Philips por volta de 1985, dominassem esmagadoramente o mercado para que se começasse a enxergar todas as qualidades dos LPs. Comparados a estes, os CDs eram mesquinhos nas suas dimensões de 12x14cm – insignificantes para se expor dignamente uma fotografia e exigindo óculos ou lupa para que se lessem os textos. E os primeiros a sofrer com essa mesquinhez foram os LPs cujas capas foram apenas reduzidas, em vez de adaptadas para o novo formato: sua arte original sofreu para continuar visível e os textos de contracapa ficaram impossíveis de ler. E, para completar, a palavra LP foi banida do vocabulário. Por causa do CD, que era feito de metal, o LP passou a ser chamado de “vinil” – e é assim que, hoje, até os veteranos que se julgam esclarecidos passaram a se referir a ele. Mas chamar um LP de vinil é tão bobo quanto chamar um CD de metal.Como era de se esperar, o CD só precisou de alguns anos depois de implantado para também se adaptar a um design mais criativo. Surgiram os estojos de CDs duplos e triplos, permitindo encartes numa grande folha única, com doze, dezesseis ou quantas dobras se quisesse; criaram-se os estojos em formato de caixa de sabonete, com amplos encartes verticais; vieram as caixas em formato de LP, contendo quatro ou mais CDs e um generoso encarte de 33x33cm; e várias outras soluções que permitiam expandir a parte gráfica e torná-la menos mixuruca. Para não falar no formato digipack, que praticamente eliminou o plástico e possibilitou aquelas edições charmosas, tipo caderninho, que, no Brasil, a Biscoito Fino adotou como norma.Pois, enfim, exatamente quando estávamos começando a nos entusiasmar e a explorar todas as possibilidades gráficas do CD, eis que, agora, ele também pode ser considerado tão peça de museu quanto uma vitrola de corda. No Japão, há garotos de quinze anos que, se um CD lhes cair às mãos, não saberão para o que serve. E isso não demorará a acontecer entre nós.É como se a música devesse vir de um planeta impessoal, etéreo, feito só de sons, sem textos nem figuras – sem nada que denote a mão, a razão ou o coração do homem.

terça-feira, 19 de maio de 2009

resenha/"Gran Torino"

Gênero: Drama
Tempo: 117 min.
Lançamento: 20 de Mar, 2009
Classificação: 14 anos
Distribuidora: Warner Bros.
Estrelando: Clint Eastwood, Geraldine Hughes, John Carroll Lynch, Cory Hardrict, Dreama Walker, Brian Haley.
Direção: Clint Eastwood
Produzido por: Clint Eastwood, Bill Gerber, Robert Lorenz
Orçamento estimado: US$35.000.000



Em “Gran Torino”, um Clint Eastwood sútil:ao criticar a família, o preconceito e a segregação de raças nos Estados Unidos

O filme, que estreou aqui no Brasil na terceira sexta de março deste ano, trata da vida de Walt Kowalski (Clint Eastwood), um ex-combatente da Guerra da Coréia (50-53) e funcionário aposentando de uma montadora de carros de Detroit, que acaba de ficar viúvo. Rabugento, ranzinza, mau-humorado são algumas das qualificações desse homem, que agora vive só - apenas com a companhia de sua cadela labradora -, em sua pequena casa em um bairro que sofre processo de “desamericanização”.

A morte de sua mulher faz com que o padre da região, Padre Janovich (Christopher Carley), se aproxime de Walt para convencê-lo a se confessar - o último desejo de sua mulher. Walt, sempre ríspido e arrogante, trata muito mal o padre, mas este não desiste tão fácil, tentando, em pequenas conversas sobre o que é vida e o que é a morte, descobrir os pecados do viúvo. Como se não bastasse esse tormento na vida do ex-montador de carros, ao seu lado mora uma família inteira de imigrantes refugiados do Laos. Esses seus vizinhos não lhe dão sossego: falam alto; discutem o tempo todo em língua desconhecida; vivem em uma tremenda bagunça; e, o pior, invadem a sua propriedade, pisando no seu tão bem cuidado gramado.
Na falta de companhia, aceita a amizade da garota da família, em certa discussão por causa da invasão de seu bem cuidado gramado, e vai percebendo que é muito mais parecido com essa família que vive ao seu lado do que com a sua própria, que mal o visita; e quando o faz, tem a cara de pau de perguntar quais bens irão receber do velho. Uma gangue que quer aliciar o bondoso Tao, irmão da garota, faz Walt ser considerado um herói para a família ao expulsá-los de lá com seu rifle, outrora companheiro de guerra. A partir daí o filme concentra-se nesse dilema: da gangue tentar pegar Tao, e Walt tentar protegê-lo porque sabe que ele é um bom rapaz. Assim vai até o desfecho, surpreendente, épico, por sinal.

Reflexão
Clint, como diretor, nunca produz filmes gratuitamente, apenas para o bel-prazer do público; há sempre algum pensamento, algum valor que ele quer nos passar por trás das criações de seus roteiros. Desta vez , o experiente diretor chama atenção para a estrutura da sociedade norte-americana, que está em tempo de rever seus conceitos, tanto os referentes à sua tradição familiar – que, como se viu no filme, não dá os merecidos cuidados aos mais velhos -, como também a dificuldade de saber lidar com os estrangeiros – principalmente mexicanos,caribenhos,orientais -, que não são poucos no país e não podem ser ignorados.

É ao mesmo tempo engraçado e bonito ver Walt ensinando Tao a ser aquele modelo de homem americano, seja na busca por emprego em uma construção, seja na barbearia ou nas investidas com uma garota. Clint protagonizou um anti-herói (ou um herói decadente, pessimista) para abrir as feridas da sociedade estado-unidense.




Aprovado.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Poesia

Drummond já em fim de vida.


Este poema foi retirado do Sentimento do Mundo, livro que, na verdade, contém três livros: Alguma poesia de 30 e a qual pertence o poema extraído; Brejo das Almas de 34; e, por último, Sentimento do Mundo de 40.

O poema é dedicado a Cyro dos Anjos, um sutil e lírico romancista também da geração de 30, que escreveu O amanuense* Belmiro, em 37.

*Amanuense: Funcionário público de condição modesta.

Ei-lo:
O sobrevivente

C. Drummond de Andrade

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a "O Jornal" que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura.
Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)
VIVA O DRUMMOND!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Enfim o primeiro post do ano

Se alguém dispende o seu valioso tempo lendo essas minhas postagens que de frequente não têm nada, quero lhe desejar, de verdade, um feliz ano-novo. Prometo que tentarei ser mais regular em minhas postagens, por mais banais que às vezes elas possam parecer...

Por ora, vai aqui um texto de um escritor que de banal não tem nada. Ou melhor, ele consegue transformar o que, para nós, é uma banalidade em algo extraordinário.

Essa reflexão abre O Livro do Desassossego.

"Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido - sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera idéia biológica, e não significando mais que a espécia animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.
Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama Decadência. A Decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.
A quem, como eu, assim, vivendo não saber ter vida, que resta senão, como a meus poucos pares, a renúncia por modo e a contemplação por destino (interrogação). Não sabendo o que é a vida religiosa, nem podendo sabê-lo, porque se nao tem fé com a razão; não podendo ter fé na abstração do homem,nem sabendo mesmo que fazer dela perante nós, ficava-nos, como motivo de ter alma, a contemplação estética da vida. E, assim, alheios à solenidade de todos os mundos, indiferentes ao divino e desprezadores do humano, entregamo-nos futilmente à sensação sem propósito, cultivada num epicurismo sutilizado, como convém aos nossos nervos cerebrais.
Retendo, da ciência, somente aquele seu preceito central, de que tudo é sujeito às leis fatais, contras as quais se não reage independentemente, porque reagir é elas terem feito que reagíssemos; e verificando como esse preceito se ajusta ao outro, mais antigo, da divina fatalidade das coisas, abdicamos do esfõrço como os débeis do entretenimento dos atletas, e curvamo-nos sobre o livro das sensações com umgrande escrúpulo de erudição sentida.
Não tomando nada a sério, nem considerando que nos fosse dada, por certa, outra realidade que não as nossas sensações, nelas nos obrigamos, e a elas exploramos como a grandes países desconhecidos. E, se nos empregamos assiduamente, não só na contemplação estética mas também na expressão de seus modos e resultados, é que a prosa ou o verso que escrevemos, destituídos de vontade de querer convencer o alheio entendimento ou mover a alheia vontade, é apenas como o falar alto de quem lê, feito para dar plena objetividade ao prazer subjetivo da leitura.
Sabemos bem que toda a obra tem que ser imperfeita, e que a menos segura das nossas contemplaçoes estéticas será a daquilo que escrevemos. Mas imperfeito é tudo, nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos dê sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda. E assim, contempladores iguais das montanhas e das estátuas, gozando os dias como os livros, sonhando tudo, sobretudo, para o converter na nossa íntima substância, faremos também descrições e análises que, uma vez feitas, passarão a ser coisas alheias, que podemos gozar como se viessem na tarde.
Não é este o conceito dos pessimistas, como aquele de Vigny, para quem a vida é uma cadeia, onde ele tecia palha para se distrair. Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico, e essa atitude é um exagero e um incômodo. Não temos, é certo, um conceito de valia que apliquemos à obra que produzimos. Produzimo-la, é certo, para nos distrair, porém não como o preso que tece a palha, para se distrair do Destino, senão da menina que borda almofadas, para se distrair, sem mais nada.
Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue à diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam ´cômodas até mim. Sento-me á porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sond da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajentes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não olerem , nem se entreterem, será bem também."

Isto é F.P.