sexta-feira, 15 de abril de 2016

Expressões latinas

O latim deixou de ser ensinado nas escolas há quatro décadas, mas muitas expressões ainda são empregadas sem que o grande público conheça seu significado

por Pasquale Cipro Neto publicado , última modificação 06/01/2010 12:53


Vou logo avisando que não sou latinista (“grande conhecedor da língua e da literatura latinas”). Tenho alguns colegas que o são, entre eles o querido amigo Odilon Soares Leme, mestre dos mestres, autor do ótimo Tirando Dúvidas de Português. Mas, por dever e por prazer, o assunto me interessa – e muito. O latim foi ensinado na escola secundária até a primeira metade da década de 60. Com sua eliminação do currículo escolar, acabaram sumindo também os professores da língua de que se formou a nossa. Mas muitas das expressões não sumiram; estão vivíssimas no uso culto, na terminologia específica de determinadas ciências – exatas ou humanas.

Vejamos algumas delas. O pessoal do esporte adora usar uma clássica: “sine die”. Alguns jornalistas, americanizados até o pescoço, pronunciam “sáine dái”. É latim, moçada; não é inglês. Significa “sem dia” e costuma ser usada na expressão “adiar sine die”, ou seja, “adiar sem marcar a nova data”.

Outra muito comum em textos técnicos e em editoriais é “sine qua non”, que, ao pé da letra, significa “sem a qual não”. Costuma-se usar para indicar que algo é imprescindível, essencial para que se realize determinada coisa. Há algum tempo, o vestibular da USP pediu aos candidatos que indicassem o significado dessa expressão, presente em um texto jornalístico.

Como se vê, é normal que essas expressões mantenham a grafia original, o que explica, por exemplo, a falta de acento em “incontinenti”. Essa palavra de origem latina na verdade é adaptação da expressão “in continenti tempore”, que significa “no tempo imediatamente posterior”. “Incontinenti” equivale a “sem detença”, “sem demora”, “imediatamente”. Se fosse aportuguesada, seria grafada com acento circunflexo no “e”, já que as paroxítonas terminadas em “i” recebem acento gráfico.

Um cochilo de revisão fez a última edição do Aurélio trazer a forma “incontinênti”, com acento. Basta verificar, na mesma edição, o vocábulo “incontinente” (que significa “imoderado”). Lá se manda confrontar “incontinenti”, sem acento, como deve ser e como está no dicionário de Caldas Aulete, no Michaelis, no Vocabulário Ortográfico, da Academia Brasileira de Letras.

A expressão latina “grosso modo” é outra que na língua culta não se aportuguesa, o que, no caso, corresponderia a acrescentar a preposição “a” (“a grosso modo”). “Grosso modo” significa “de modo impreciso”, “de modo grosseiro”, “aproximadamente”: “Grosso modo, pode-se afirmar que o Brasil tem 40 milhões de miseráveis”.

Uma que muita gente erra é “pari passu”. O equívoco mais comum é grafar “par e passo”. Ao pé da letra, a expressão significa “a passo igual”. Na prática, é muito usada quando se quer dizer que alguém acompanha algo “pari passu”, ou seja, “simultaneamente”, “ao mesmo tempo”.

Outra expressão vivíssima é “ad hoc”, que se lê como se fosse uma palavra só. Significa “de propósito”. Costuma ser usada quando se quer dizer que determinada pessoa, em geral especialista em um assunto, é designada de propósito para executar uma tarefa: “Delegado ad hoc”.

E “sic”? Se você acompanhou o noticiário sobre as rebeliões nas cadeias de São Paulo, deve ter notado que, quando a televisão mostrou os “mandamentos” do PCC, a cada quatro ou cinco palavras aparecia o termo “sic”, entre parênteses. O que é isso? É palavra latina e significa “assim”, “deste modo”. Costuma ser usada quando se transcreve algo em que há erro ou afirmação absurda para que se deixe claro que o original é assim mesmo, por mais estranho ou absurdo que possa parecer.

A conversa poderia ir longe, mas o espaço já acabou. Antes de encerrar, porém, vejamos só mais uma palavrinha, muito presente no nosso cotidiano: “domingo”. Vem da expressão latina “dies dominicu”, que significa “dia do Senhor”. Até a próxima!

Pasquale Cipro Neto é professor de Língua Portuguesa, idealizador
e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, da TV Cultura
Fonte:http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/20/expressoes-latinas

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A crise política brasileira na capa do Times



O jornal americano "The New York Times", um dos mais prestigiados do mundo, trouxe como destaque em sua capa de segunda-feira (4/4) uma reportagem que busca explicar os elos entre a corrupção e a atual crise política brasileira.

Grande parte da capa do diário é ocupada por chamadas para a matéria sobre o Brasil. A presidente Dilma Rousseff é a maior imagem da primeira página do jornal, que também traz fotos do ex-presidente Lula, do senador Delcídio do Amaral, do juiz Sergio Moro e de um protesto contra o governo.

O destaque para a reportagem sobre a crise brasileira é maior do que o dado, por exemplo, a matéria sobre a indicação de um juiz à Suprema Corte americana ou a uma reportagem sobre a campanha do presidenciável Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata.

Reprodução da capa do NYT

Abaixo a íntegra da reportagem do jornalista Simon Romero, correspondente do "New York Times" no Brasil, sobre a crise política no país. A tradução peca em algumas passagens.

*
O senador de cabelos grisalhos, da fronteira oeste brasileira, estava de pijama quando agentes da polícia federal bateram à porta de sua suíte no Royal Tulip, hotel futurista que serve de bastião a boa parte da elite política brasileira. Eram 6h.

Os agentes estavam armados de uma gravação secreta que lembrava a trama de um thriller de Hollywood. O senador, Delcídio do Amaral, havia sido apanhado detalhando um plano elaborado para que um executivo petroleiro apanhado em um escândalo de corrupção cada vez mais amplo escapasse do país em um avião privado.

Amaral, 61, até sua detenção em Brasília naquela manhã do final de novembro era o mais poderoso líder do governo no Senado. Ele rapidamente buscou um acordo de delação premiada, mas os procuradores o deixaram apodrecendo na prisão por semanas, aceitando um acordo apenas depois que o senador caído em desgraça ofereceu uma sucessão de revelações chocantes que traíram seus antigos camaradas e carregaram o governo da presidente Dilma Rousseff para ainda mais perto do colapso.

"Senti que tinha batido em um muro depois de uma perseguição em alta velocidade", disse Amaral em fevereiro. "Eu errei, e por isso compreendi que precisava uma chance de corrigir os meus erros. É preciso ser pragmático".
Buscando voltar Amaral definitivamente contra Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT) do qual os dois são membros, os investigadores brincaram com a possibilidade de dar à operação o nome "Catilina", em referência ao patrício renegado cujas conspirações abalaram o senado da República Romana no século 1 AC.

Os relatos de Amaral sobre subornos colossais, negócios de bastidores e manobras desesperadas de acobertamento - montados com base em entrevistas, vazamentos de escutas telefônicas e documentos judiciais - oferecem um raro vislumbre de como um partido de esquerda que subiu ao poder prometendo eliminar a corrupção de uma elite política privilegiada terminou por abraçar as políticas de seus predecessores. O depoimento dele acelerou a crise política brasileira, na qual líderes temerosos manobram para tomar o poder, gravando secretamente as conversas uns dos outros e se preparando para o dia em que eles também poderão se ver na posição de alvo de uma operação policial realizada na madrugada.

Mesmo o juiz que inicialmente era elogiado por perseguir destemidamente os poderosos agora foi acusado de violar a lei ao divulgar publicamente provas relacionadas à investigação.

O tumulto começou dois anos atrás, quando procuradores descobriram um esquema dentro da estatal de petróleo Petrobras: empreiteiras teriam pago quase US$ 3 bilhões em propinas a executivos, que por sua vez canalizaram dinheiro para campanhas dos partidos que integravam a coalizão governista brasileira. 

Quase 40 políticos, magnatas dos negócios e cambistas do mercado negro foram aprisionados desde então, e a expectativa é de que a lista cresça, com os procuradores investigando suspeitos que incluem os presidentes das duas casas do Congresso.

Os estudiosos afirmam que o escândalo de corrupção está entre os mais graves nos países em desenvolvimento, comparando-o a um terremoto que atingiu a elite privilegiada do país. Ele veio na companhia de desafios econômicos esmagadores, quando a queda no preço das commodities fez com que o desemprego disparasse para os 9,5% ante 6,8% um ano antes. Só em 2015, o Brasil perdeu 1,5 milhão de postos de trabalho, uma virada ante os 7,6% de crescimento registrados pelo país em 2010.

A dupla ameaça de um colapso político e econômico devastou as ambições mundiais da maior nação latino-americana no pior momento possível. O Brasil está ao mesmo tempo enfrentando uma epidemia de defeitos congênitos ligados ao vírus zika, transmitido por mosquitos, e se preparando para sediar a olimpíada deste ano.

Que o coração do escândalo seja a Petrobras, fundada em 1953 e cercada por uma mítica aura nacionalista, só serviu para multiplicar os efeitos. A empresa é a peça central de uma teia de empresas de energia e bancos estatais que servem de base à economia brasileira, projetando poder por todo o país e no exterior. Também financiou uma série de programas de arte, entre os quais uma orquestra sinfônica, grupos de dança moderna e exposições de pintura, atividades que a companhia cortou profundamente, da mesma forma que cortou seu quadro de funcionários.

Os brasileiros muitas vezes brincam sobre as raízes profundas da corrupção no país, afirmando que ela remonta à chegada do navegador português Pedro Álvares Cabral, em 1500, trazendo presentes como estratégia para reivindicar terras habitadas por povos indígenas. Há um quarto de século, o então presidente Fernando Collor de Mello foi forçado a renunciar devido a um escândalo de tráfico de influência, lapso que parece quase amador em comparação ao que vem acontecendo agora.

Foi quando Amaral começou a demolir o governo que ele antes apoiava lealmente que muitos brasileiros começaram a perceber até que ponto as trapaças se haviam generalizado.

Ele testemunhou que Luiz Inácio Lula da Silva, antigo presidente e fundador do PT, havia orquestrado a compra do silêncio de um empresário condenado por operar um esquema de compra de votos.

Amaral também afirmou que o vice-presidente Michel Temer, que estava manobrando pelo impeachment de Rousseff, esteve envolvido em uma operação ilegal de compra de álcool. Outro alvo de suas denúncias foi Aécio Neves, o líder oposicionista derrotado por pouco na eleição de 2014, revelando que a família dele tinha uma conta secreta em um banco do Liechtenstein. (Neves disse que sua mãe havia aberto a conta para pagar pela educação dos netos.)

Antes das revelações de Amaral, Rousseff havia em geral conseguido se manter acima das disputas, em parte ao se vangloriar de reforçar a independência do Judiciário ao permitir que os procuradores agissem contra acusados de suborno dentro de seu partido. Mas o senador afirmou que a presidente o havia instruído a sabotar a investigação sobre a Petrobras ao persuadir um importante juiz a solicitar a libertação de magnatas da construção acusados de corrupção.

Tanto Rousseff quanto Lula afirmam que Amaral está mentindo. Em termos mais amplos, Rousseff declarou em entrevista recente que não sabia da corrupção na Petrobras, apesar de ter servido como presidente do conselho da empresa de 2003 até 2010, quando foi eleita presidente, um período em que a corrupção avançou muito na companhia. Ela também insiste em que suas campanhas eleitorais não receberam financiamentos ilegais.

Amaral, atacado por líderes de todo o espectro político como fabulista, sorri durante suas entrevistas como o gato de "Alice no País das Maravilhas". Orador talentoso, ele entremeia seus relatos com ditados do Pantanal, a vasta região alagadiça em que sua família opera fazendas de pecuária. Buscando maneiras de explicar o vórtice político, ele chegou em dado momento a recitar um verso de uma velha canção brasileira.
"Estou só fazendo minha parte para ajudar a república", disse o senador.

ATOR ILUDE SENADOR
Em retrospecto, disse Amaral, ele reconhece que jamais deveria ter confiado em Bernardo Cerveró, um jovem ator tentando fazer carreira no Rio de Janeiro.
O senador, que foi diretor de gás e energia na Petrobras em 2000 e 2001, disse ter aceitado uma reunião com Cerveró, 34, em novembro por conta de sua amizade com o pai do ator, Nestor, sentenciado a prisão por acusações de corrupção relacionadas ao seu trabalho na Petrobras. O jovem Cerveró, ator de um grupo experimental de teatro, gravou clandestinamente em seu celular a conversa dele com o senador, no Royal Tulip, hotel em formato de ferradura no qual o senador vive em Brasília, bem perto do palácio presidencial.

Amaral garantiu a Cerveró que persuadiria os juízes da mais alta corte brasileira a libertar seu velho amigo, concedendo-lhe prisão domiciliar. Depois explicou como organizaria arranjos para pagar US$ 1 milhão à família de Cerveró, mais uma mesada de cerca de US$ 13 mil, o que, suspeitam os procuradores, tinha por objetivo levar a família a não denunciar as transações do senador com a Petrobras.

E Amaral explicou como ajudaria Nestor Cerveró a fugir para a Espanha, incluindo detalhes como a desativação de seu sistema eletrônico de vigilância. O ator sugeriu uma fuga de barco, mas o senador afirmou que o preferível seria uma fuga por avião, acrescentando que "a melhor maneira de ele sair é pelo Paraguai".
Isso bastou para acusações de obstrução da Justiça contra Amaral e André Esteves, o banqueiro bilionário que, segundo o senador, financiaria a jornada.

Antes de sua detenção, Amaral era conhecido em Brasília como astuto operador de bastidores, aproveitando sua longa experiência no negócio petroleiro.
Ele estudou em um colégio jesuíta e depois se formou em engenharia, e trabalhou na Holanda, para a gigante do petróleo Royal Dutch Shell, no começo dos anos 90. De volta ao Brasil, ele galgou a burocracia do setor de energia, controlado pelo Estado.

Foi quando estava trabalhando no Ministério da Energia, em 1993, que ele conheceu Rousseff, então uma obscura funcionária encarregada da política de energia do governo do Rio Grande do Sul.

"Conheci Dilma em uma briga", ele disse, recordando seus primeiros encontros com Rousseff, que estava buscando renegociar a dívida de uma empresa de eletricidade pública junto às autoridades federais. "Ela foi extremamente agressiva. Sempre foi".

Amaral entrou para o PT em 2001, e conquistou cadeira no Senado no ano seguinte, quando Lula disputou com sucesso a presidência.

À medida que o Brasil enriquecia com a descoberta de campos de petróleo a grande profundidade subaquática, Amaral também se beneficiava.

Alguns colegas de Amaral no PT ainda se arrepiam ao recordar a festa de 15 anos que o senador e a mulher organizaram em 2011 para sua filha. Comparando o evento, realizado na cidade de Campo Grande, região oeste, aos bailes organizados pela nobreza europeias, colunistas sociais relataram encantados todos os toques de luxo: 240 garrafas de champanha Veuve Clicquot, e um vestido feito com cristais Givenchy para a aniversariante.

PÂNICO NO PT
Em dezembro, enquanto o senador estava preso, seu velho amigo na Petrobras, Nestor Cerveró, revelou a investigadores que Amaral havia embolsado uma propina de US$ 10 milhões em 2001, na compra de turbinas companhia francesa de energia Alstom. Amaral negou essa e todas as demais acusações de que enriqueceu ilegalmente, declarando que "não sou um homem corrupto".

Amaral foi o primeiro senador em exercício de seu mandato a ser preso desde o restabelecimento da democracia no Brasil, nos anos 80, e sua detenção causou pânico e indignação no PT, que Lula e outros líderes sindicais fundaram nos anos 80 para resistir à ditadura militar brasileira.

A disposição do senador de atraiçoar seus colegas tornou uma coisa inevitável: que mais gravações clandestinas viessem a enriquecer a saga do impasse político brasileiro.

Pouco depois da detenção dele no Royal Tulip, o ministro da Educação Aloizio Mercadante, um dos principais assessores de Rousseff, contatou Eduardo Marzagão, um confidente de Amaral, oferecendo ajuda para cobrir as despesas legais da família.

"Olha, Marzagão, é só me dizer como posso ajudar", disse Mercadante. "Estou aqui para isso, para ajudar".

Ele não estava ciente, claro, de que Marzagão estava gravando o telefonema. Os procuradores agora têm Mercadante na mira.

O JUIZ E LULA
Há mais de um ano, Sérgio Moro, um juiz federal ativista no sul do Brasil, vem comandando o inquérito sobre a Petrobras. Ele aproveitou novas leis de combate à corrupção que permitem que acusados reduzam suas sentenças de prisão em troca de informações, ajudando os procuradores a deter poderoso após poderoso.
O labiríntico inquérito terminou por levar a Lula. Estava claro que o ex-presidente havia desfrutado de conexões com os magnatas que comandam as empreiteiras e lhe pagaram dezenas de milhões de dólares por palestras.

Os procuradores em seguida descobriram que empreiteiras haviam pago por renovar um sítio perto de São Paulo e um apartamento à beira mar na cidade do Guarujá, duas propriedades que eles afirmam estar sob o controle do ex-presidente. (Lula nega ser o proprietário de qualquer das duas.)

No sítio, agentes da polícia encontraram uma caneta com o escudo do Corinthians, o time de futebol pelo qual Lula torce em São Paulo, com a inscrição "ao ilustre presidente Lula". A adega tem garrafas de vinho dedicadas a ele. Atracados em um cais no lago, há pedalinhos que portam o nome de seus netos, Pedro e Arthur.

Quando os investigadores apertaram o cerco, Lula foi se alarmando cada vez mais, de acordo com escutas de telefonemas obtidas como parte do inquérito. Ele criticou o Supremo Tribunal Federal, usou expressões chulas para descrever os presidentes das duas casas do Congresso e apelou aos seus colegas do PT para que pressionassem os procuradores.

"Por que não conseguimos intimidá-los?", o ex-presidente perguntou a um deputado. Instruindo-o sobre como irritar um investigador, Lula disse: "Ele precisa ir dormir sabendo que no dia seguinte terá 10 congressistas o incomodando em casa, em seu gabinete, e que ele terá de enfrentar um processo no Supremo Tribunal Federal".

Com o aumento da pressão, a denúncia de 255 páginas feita por Amaral como parte de seu acordo de colaboração vazou para a mídia no começo de marco, causando negação furiosa e manobras desesperadas. Rousseff apontou Lula, seu predecessor e patrono, como chefe de sua Casa Civil, o que lhe conferiria amplas proteções legais.

Por algumas horas, em 16 de março, o plano parecia ter funcionando.

O GAME OF THRONES BRASILEIRO
No mesmo dia, Moro divulgou gravações dos telefonemas de Lula a Rousseff e outros políticos. Os telefonemas mostravam o ex-presidente tentando salvar sua narrativa heroica ao lado de uma líder que tentava evitar um processo de impeachment comparado por ela a um golpe em câmera lenta.

Os juízes do Supremo Tribunal Federal suspenderam a indicação de Lula. Mas Moro, o juiz de fala mansa que comanda o inquérito, também encara recriminações, por revelar conversas da líder da nação sem autorização do mais alto tribunal brasileiro, o que conduziu a acusações de que seu inquérito, antes admirado, se havia tornado uma caça às bruxas partidária.

Com o progresso do caso, mais aliados estão abandonando Rousseff, com o objetivo de conquistar poder para eles mesmos. Eles dizem que ela deve ser alvo de impeachment por violar as leis fiscais e usar dinheiro de bancos estatais para cobrir rombos no orçamento.

Liderados por Temer, cujo comportamento enigmático leva rivais a compará-lo a um mordomo em um filme de terror, os centristas que formavam a âncora da coalizão de Rousseff a abandonaram na semana passado.

No Congresso, legisladores acusados de imensa corrupção pessoal estão acelerando o processo de impeachment da presidente, que não se viu maculada por imputações de enriquecimento pessoal ilícito.

Amaral, cujo mandato o Comitê de Ética do Senado está tentando cassar, não está assistindo ao espetáculo das arquibancadas. Em 13 de março, ele saiu em sua moto Harley-Davidson e se uniu a centenas de milhares de manifestantes contra o governo em São Paulo. Mas não tirou o capacete, por medo de como a multidão poderia reagir.

Tradução de PAULO MIGLIACCI 

O muro da nossa cisão

Muro do impeachment, muro da vergonha, muro do golpe... Este é o muro que está dividindo o país no momento. Domingo (17), dia em que o plenário da Câmara vota o impeachment, haverá mais gente no lado vermelho ou amarelo?

quarta-feira, 6 de abril de 2016

STF: comportamentos ambíguos e contraditórios

Com regras discutíveis, Supremo Tribunal Federal ganha projeção



RESUMO O Supremo Tribunal Federal ganhou projeção com o julgamento do mensalão. Oscilando entre ser protagonista ou coadjuvante na crise, o STF assume comportamentos ambíguos e contraditórios. A ausência de regras e mecanismos de contrapeso favorece decisões individuais que valem como se fossem da corte.
*
"Eu acho que a decisão do ministro Teori Zavascki foi uma decisão tecnicamente correta, juridicamente adequada aos padrões legais. O ministro Teori é um grande jurista."

Em tom solene e buscando mostrar a imparcialidade esperada de um ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello comenta a decisão do colega para a câmera. Zavascki havia decidido, não mais que dois dias antes, que as investigações sobre Lula deveriam subir para o STF. Ocorre que o ministro está olhando para uma câmera de celular. Vestindo uma polo Lacoste bordô. Em um shopping.

A cena, além de insólita, ilustra muito bem que existem dois papéis possíveis para o Supremo. O papel oficial, necessário. E o que os próprios ministros querem e conseguem desempenhar, em parte influenciados por determinadas expectativas da população.

Dias depois da entrevista, Celso de Mello se reuniu aos demais dez ministros e ministras para confirmar a decisão de Zavascki. Se adiantar para a imprensa o voto que irá proferir em um caso, um ministro do Supremo, como qualquer juiz brasileiro, viola a Lei Orgânica da Magistratura. Mas Celso de Mello não afirmou categoricamente que iria referendar a decisão. Adotou tom neutro, limitou-se a elogios protocolares. O ministro fez um esforço calculado para não buscar protagonismo.
Pedro Ladeira - 12.nov.2015/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 12-11-2015, 15h00: Sessão plenária do STF, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski. O STF deve discutir uma ação da OAB que questiona a possibilidade de doações ocultas de pessoas físicas permitidas pela minirreforma eleitoral. O relator da matéria é o ministro Teori Zavascki. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki

É isso que o Supremo quer com sua atuação durante a crise: consagrar-se coadjuvante. "Nesse Fla-Flu o Supremo não tem lado", lembra o ministro Luís Roberto Barroso. Foi dele o voto condutor que definiu em dezembro as regras para o rito de impeachment –mas sem entrar no mérito. Querendo ou não, o tribunal mudou radicalmente a velocidade e as chances do impeachment. Quão coadjuvante e técnico em seus julgamentos o Supremo consegue se manter, ainda que tente?

Compare-se o tribunal que o Supremo quer ser com o aquele que os brasileiros querem que seja. Esse Supremo reservado e judicioso não é o que pede a população. Ela não quer mais um Judiciário passivo. Uns querem que o tribunal seja enérgico no combate à corrupção. Outros querem que ele seja enérgico no combate a um golpe. Todos querem que os ministros arregacem as mangas.

Comportem-se como líderes, talvez. Como humanos, no mínimo. E não como sacerdotes de manto preto.

Quando a audiência é a classe média, nada humaniza mais que ser filmado por um smartphone, trajando uma polo em um shopping. Ou na saída de um restaurante, em traje de passeio, como o ministro Dias Toffoli ao garantir que impeachment não é golpe.

Gilmar Mendes acusou a ilegalidade da nomeação de Lula como ministro –no julgamento sobre o rito do impeachment. Atendeu os anseios da população por liderança ou os seus próprios? O certo é que adiantou ilegalmente o voto que seria provocado a manifestar depois. Outros ministros, como Rosa Weber e Edson Fachin, não fazem questão de ficar em evidência.

A atitude importa. Em uma democracia a salvação máxima não pode vir do Judiciário. O papel que a população ontem atribuiu a Joaquim Barbosa e hoje delega a Moro não é saudável.

Mas há uma diferença entre ser colocado no pedestal e galgar seu caminho até ele. O juiz paranaense não concede entrevistas quase diariamente, como Marco Aurélio e Mendes. Não fala sobre aspectos concretos de futuras decisões suas à imprensa, como fazem eles.

MENSALÃO
No conjunto, o Supremo só foi descoberto pelos brasileiros com o julgamento do mensalão. Coincidiu com uma mudança no relacionamento com políticos. Desde então, os ministros sabem que condenar um ex-ministro da Casa Civil, ordenar a prisão preventiva de um senador ou abrir processo criminal contra o presidente da Câmara dos Deputados não cria instabilidade institucional. Isso é bom. Mas é preciso considerar que essas escolhas nem sempre são feitas de forma visível e transparente para os brasileiros.

O "timing" das decisões do plenário é um elemento decisivo e pouco conhecido pela sociedade. O Supremo pode decidir uma liminar em 20 horas (ADI 4.698) ou em 18 anos (ADI 1.229). Não há qualquer regra sobre isso. Não há nenhum mecanismo de freio ou contrapeso. Atualmente, o tribunal pode escolher se irá decidir o pedido de afastamento de Eduardo Cunha na semana que vem ou no final do ano.

Uma análise mais detalhada revela um tribunal que tem os meios e a vontade de protagonismo, mas que, ao mesmo tempo, tenta permanecer discreto. Diz que não tem lado no Fla-Flu, mas apressa-se em avaliar o mérito de uma das acusações centrais contra a presidente. Faz questão de afirmar que impeachment não é golpe, mesmo sem ser acionado formalmente.

Em parte, essa é a crise de identidade entre o tribunal da tese e o da prática. Mas há outro fator que colabora para tal crise. Existem comportamentos deliberadamente diferentes de ministros diferentes. Uma fragmentação.

Dados do projeto Supremo em Números mostram que, entre 2009 e 2013, 98% das decisões de mérito e liminares foram individuais. Assim foram as decisões monocráticas de Gilmar Mendes e Teori Zavascki sobre a questão do foro competente para julgar Lula. Separadas por quatro dias e aparentemente conflitantes. Ambas garantindo que, por algum tempo, a posição pessoal do ministro se torne a posição oficial do Supremo. A de Zavascki foi confirmada. Quando será a de Gilmar?

O que poderia fazer o presidente da corte, o ministro Ricardo Lewandowski? Nada. Cada ministro dispõe de um conjunto de prerrogativas que lhe permite fazer todo o Supremo pender ora para o holofote, ora para a sombra.

Zavascki e Mendes, autores de liminares possivelmente conflitantes sobre onde Lula deve ser julgado, podem levá-las ao juízo de seus colegas quando bem entenderem. Segurar o processo e não permitir que colegiado avalie se mantém ou derruba a decisão liminar é um tipo de veto. Permite ao ministro escolher, sozinho, entre um Lula articulador em um governo com novas chances e um Lula sem carteira assinada em um governo ainda mais desmoralizado.

O poder de veto individual pode ser exercido também por meio dos pedidos de vista, como meu colega Diego Werneck e eu explicamos em artigo naFolha em abril do ano passado. Mendes usou um pedido de vista para suspender por mais de um ano o julgamento sobre financiamento de campanhas eleitorais, do qual sequer era relator.

Há outros exemplos de vetos individuais. Em setembro de 2014 o ministro Luiz Fux decidiu sozinho que os 16 mil juízes brasileiros devem receber R$ 4.377 reais mensais de auxílio-moradia. Nunca levou sua liminar para avaliação dos colegas.

Até agora, Fux custou R$ 1,25 bilhão aos cofres públicos. Nenhum deputado ou senador é capaz de impactar o orçamento unilateralmente nessa magnitude.
Com esse tipo de poder, é difícil dizer que um ministro do Supremo seja coadjuvante na política nacional. Nenhum ministro irá confirmar a existência e uso desse poder, é claro. Isso não seria compatível com a imagem oficial do Supremo.

Há outro exemplo de prerrogativa pouco conhecida, porém de grande utilidade. Os ministros comparecem às sessões de julgamento quando querem.
Pesquisa do Supremo em Números mostra que, entre 1992 e 2013, grande quantidade de ministros faltou a 15% ou mais das sessões. Um ficou perto de 30%.

O plenário só estava completo em uma de cada seis sessões de julgamento. A normalidade das faltas permite grandes coincidências. Gilmar Mendes não poderia levar ao plenário sua liminar sobre Lula na semana passada por estar em um evento acadêmico em Portugal. Qualquer ministro pode evitar uma sessão de julgamento que o coloque numa situação delicada.

Esse é o Supremo que chancela decisões da Lava Jato. Que decidiu e decidirá novamente sobre o rito do impeachment. Que atualmente avalia, inclusive, nomeações de ministros do governo federal. Um grupo de juízes que por vezes vota unido, mas que utiliza poderes peculiares para administrar escolhas individuais e gerenciar seus respectivos custos políticos. Um tribunal que perde cada vez mais seu pudor institucional.

Mais do que em outras épocas, hoje o STF sabe e faz a hora, não espera acontecer.


IVAR HARTMANN, 31, doutorando em direito constitucional na UERJ, é professor da Fundação Getúlio Vargas no Rio. 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Ferreira Gular escreve sobre a crise política






03/04/2016  02h00





O poeta expõe seu ponto de vista sobre a conjuntura do país. Concordo do meio para o fim do texto. O grande desafio para o Brasil é fazer seu povo virar cidadão, e não dar direitos sociais de mãos beijadas.

E o sonho acabou



Acredito que a maneira que temos para sair da situação crítica em que nos encontramos é tentarmos entender o que ocorreu no país e o conduziu ao impasse.

Certamente, cada analista político tem sua própria compreensão do problema em que haverá, sem dúvida, alguma verdade, mas que, a meu ver, nem sempre pode explicar certos aspectos dos governos petistas que estão no poder há mais de 12 anos.

Em meus comentários, tenho buscado caracterizar esse governos como populistas, a exemplo do que ocorreu na Argentina, na Venezuela, na Bolívia e no Equador.

Se é certo que, em cada um desses países, o populismo se manifestou de maneira particular, em todos eles pôs em prática um tipo de governo que se apresenta como defensor dos pobres contra os ricos, embora, na prática, não seja bem isso, como constatamos no Brasil.

Esse novo populismo –ao contrário do que se impôs nos anos 1930, 40, 50 (por aí)– é um arremedo do regime marxista, mesmo porque surgiu como consequência do fim daqueles regimes no mundo inteiro.
Como o populismo latino-americano não nasceu de uma revolução e, sim, da disputa eleitoral, não pode impor a ditadura de um só partido mas, mesmo assim, pretende manter-se para sempre no poder.

Hugo Chávez, com seu socialismo bolivariano, mudou a Constituição da Venezuela para reeleger-se indefinidamente; o mesmo fez Evo Morales. Lula tentou um terceiro mandato mas não o conseguiu. O jeito foi eleger a Dilma, pensando em voltar quatro anos depois.

A intenção de permanecer indefinidamente no poder explica por que, em seu primeiro mandato, Lula evitou aliar-se ao PMDB, ao qual teria que ceder ministérios e altos cargos da máquina estatal. Em vez disso, aliou-se aos pequenos partidos, os quais, em vez de ministérios, comprou com dinheiro público –o mensalão.

Desgastado com esse escândalo –do qual escapou entregando a cabeça de seus principais militantes– Lula teve de aliar-se, no segundo mandato, ao PMDB, e lhe fazer as concessões conhecidas, algumas das quais reveladas pela Operação Lava Jato. Mas o projeto de poder de Lula não se limitou à compra de deputados e à barganha de cargos públicos.

Conforme têm mostrado as investigações realizadas, criou-se dentro da Petrobras uma aliança do governo com altos funcionários da empresa e dirigentes de empreiteiras para saqueá-la através de concorrências manipuladas e contratações fajutas, que geravam alta somas em propinas. Parte desse dinheiro era passada ao partido do governo e seus aliados.

Como se vê, a figura do líder operário Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou a confiança de certa intelectualidade de esquerda, na verdade juntou-se aos capitalistas que dizia combater, formando uma aliança criminosa que sonhava saquear o patrimônio público por décadas e décadas.

Como parte desse projeto, Lula e Dilma usaram recursos do Estado para os programas assistencialistas que lhes garantissem a reeleição permanente.
Com esse propósito, estimularam o consumismo, emprestando dinheiro do tesouro nacional a empresas produtoras de veículos, de geladeira, televisão, máquinas de lavar, enfim, de bens de consumo, para que os vendessem a preços acessíveis e a longo prazo aos consumidor de poucos recursos.

Ou seja, nós, contribuintes, financiávamos a política populista para que Lula se mantivesse no poder, como o pai dos pobres.

O que pretendo demonstrar com esses fatos é que o desempenho de Lula não foi apenas resultado de sua personalidade carismática. Na verdade, se atentamos para os fatos citados, é inevitável concluir que seu desempenho obedece a um projeto político que visava manter-se no poder indefinidamente. Ele só se esqueceu de que a economia tem leis que, desobedecidas, levam ao desastre. E o desastre chegou.

Agora, com o desembarque do PMDB do governo e a previsível aprovação do impeachment, a aventura lulopetista parece estar com os dias contados.