domingo, 18 de março de 2012

(A)Fundação Cásper Líbero


A Fundação Cásper Líbero, da qual receberei meu diploma de jornalista (hope so), demitiu na semana passada um de seus mais antigos professores, o jornalista e advogado criminalista Edson Flosi, que nos últimos dois anos estava de licença para iniciar sua luta contra um câncer terminal. Em solidarieade ao colega, o professor titular de Ética jornalística, Caio Túlio Costa, resolveu se demitir, em caráter irrevogável.

É triste ver a primeira e mais antiga faculdade de jornalismo do país, formando profissionais da área desde 1948, numa situação dessas. Duas perdas irreparáveis para o quadro da faculdade e para a formação do que lá estão.

Quando me chegou a notícia, quinta passada (15) fiquei paralisado, custei a acreditar. "Como?", indaguei, se dois dias atrás lá estava a diretora da Faculdade, Teresa Vitali, bem atrás de mim, na modesa fila para pegar uma dedicatória do mestre, que lançava seu livro "Por trás da notícia", na livraria Martins Fontes da Avenida Paulista?

Como ela teve tamanha frieza e cinismo para ir ao encontro do professor em um dia tão especial - para ele - comprar seu livro, permanecer na fila e felicitá-lo? No dia seguinte nos chegou a notícia.

Embora Flosi não estivesse mais dando suas aulas de Legislação e Práticas Jurídicas (tive a sorte de pertencer à sua última turma, de 2009, e fiz questão de dizer isso a ele na livraria), prestava o serviço de assessor da diretoria, comparecendo regularmente na faculdade.

Publico também a íntegra da entrevista que o Centro Acadêmico da faculdade fez com ele, no sábado. Ela é muito reveladora e vai exigir trabalho dos alunos para que a Fundação seja mais transparente com o dinheiro que recebe e administra.



Na manhã de sábado (17) o professor Edson Flosi falou pela primeira vez com o Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH). Representando o CAVH, a estudante de jornalismo e diretora pedagógica da Gestão Comunica, Melina Sternberg, conversou por quase uma hora com o professor que foi demitido da Faculdade Cásper Líbero há quase duas semanas.


CAVH – Professor, bom dia. Gostaríamos de esclarecer algumas dúvidas que ficaram após a reunião com a Diretoria da Cásper ontem, sexta-feira. Agora que o senhor foi demitido, como fica a situação do seu plano de saúde? Segundo a Diretoria, ele vai se manter normalmente...
Edson Flosi – Isso é mentira. O plano de saúde que eu tinha pela faculdade era muito valioso pra mim, porque o plano cobria as sessões de quimioterapia. Eu pagava R$ 250 por mês e a Fundação pagava mais uma parte. Esse plano era empresarial. Quando eu fui demitido, no dia 5 de março, o meu plano da Faculdade fechou. Existe uma Lei Federal que permite que eu faça a migração do plano para o plano de saúde individual. Fazendo isso, eu tenho que pagar a mais. A partir desse mês eu estou pagando R$ 750 reais, pra ter os mesmos direitos. Isso é uma Lei Federal, não é favor da Faculdade. A única coisa que a faculdade fez foi encaminhar meus papéis pra seguradora.

CAVH – Como foi o seu afastamento da sala de aula?
EF – Eu trabalhei 16 anos lá. Nos últimos dois, de 2010 e 2011 eu fiquei muito doente. Eu tive que me afastar das aulas da graduação, oito por semana. Com mais quatro aulas de TCC, então eram doze aulas no total. Então fiquei só com as quatro horas do TCC, às segundas-feiras. Como eu não tinha um orientando específico, então eu dava uma orientação geral para os grupos que necessitavam. Em 2012 a situação podia perdurar, mas eu não fui convidado – não pelos alunos, mas pelos professores que fazem a distribuição dos alunos pro TCC. Primeiro parte dos alunos escolher o professor, segundo, há professores que organizam os grupos porque tem professores que já orientam muitos TCCs. Podiam ter feito isso comigo, mas não fizeram. Eu poderia continuar vinculado a coordenadoria dando aulas de TCC, não tinha nenhuma dificuldade em fazer isso. Quando eu parei de dar aula na graduação eu tava doente, eu fiquei só com as aulas de TCC e como assessor. Fui simplesmente demitido. Eles não me deram as aulas, como eu ia lecionar?

CAVH – Como era seu trabalho como assessor da Diretoria?
EF – Eu já era assessor da diretoria desde 2004. Como assessor eu fui o presidente da comissão de reforma do Regimento Interno, que foi debatido com alunos, professores e em 7 reuniões do Conselho Técnico Administrativo [CTA] que eu coordenei. O processo durou 5 anos até ser aprovado no MEC. Além desse trabalho do regimento, eu dei a forma jurídica ao Plano de Desenvolvimento Institucional. Foi um trabalho de um ano. Eu também era o responsável pelos pedidos de abono de falta. Eu não me limitava a deferir ou indeferir o pedido do aluno. Eu ligava pra casa do aluno, falava com os pais e ajudava. Eu resolvia caso por caso amparando e protegendo o aluno. Eu também sempre fui, nos últimos dez anos, o presidente da comissão eleitoral de todas as eleições da faculdade, dos corpos docente e discente. Ganhando como assessor eu estava praticamente pagando pra trabalhar. Mesmo assim eu não pedi demissão porque tinham outros fatores que me permitiam continuar, como o Seguro de Vida, o plano de saúde, que eu pagava menos, etc.

CAVH- O senhor poderia ter optado por uma licença?
EF – Na Faculdade é que eu poderia, como qualquer professor, tirar uma licença por dois anos, prevista no Regimento Interno e nos convênios com o Sindicato dos Professores, que renovam todo ano. Eu poderia pedir a licença e ir pro INSS pedir uma parte do salário, mas eu não posso, porque eu sou aposentado como jornalista. Eu continuaria professor da faculdade só que sem receber nada,porque a licença não é remunerada. Ninguém me ofereceu nenhuma licença – e se tivessem me oferecido eu teria recusado. Por que eu pediria licença? Eu tava cumprindo minhas obrigações todas.

CAVH – Qual foi o motivo da sua demissão? Como o senhor recebeu essa notícia?
EF – Não deram nenhum motivo pra demissão. Não tentaram nenhum acordo, nada. É um direito da empresa me demitir. Câncer não gera estabilidade, tá no direito dela. Eles pagaram todos os direitos trabalhistas – isso por causa da lei, não é favor nenhum. Eu nem sabia que eu ia ser demitido. Eles vão pagar o aviso prévio, como também a semestralidade, as férias, tudo. O que me magoou não foi a demissão, porque a empresa tá no direito dela. O que magoou foi o tratamento tão repugnante a um professor que trabalhou por 16 anos. De repente eles chegam e falam que eu tô despedido. A maneira que eu fui tratado me magoou muito. Quanto à demissão, aí não: demissão é demissão, todo mundo é demitido e acabou.

CAVH - Você acredita que a Diretoria teria podido, digamos, lutar mais pelo senhor em relação à Mantenedora?
EF – Olha, eu vou responder esta pergunta de outro forma: a Diretoria, ela deveria, até pra salvar-se, ela deveria lutar mais por muitas coisas na Faculdade. Uma delas é minha demissão, mas outra é melhoria de ensino, é melhoria das salas de aula, é ampliação de salas de aula e de número de professores pra ter menos alunos em algumas salas de aula... É ar condicionado, é uma área de lazer que esta Faculdade não tem.

CAVH – O senhor acredita que o seu caso é um gancho para esses outros pontos – levantados inclusive na carta de demissão do Caio Túlio?
EF – Isso que você falou é muito importante. Eu quero que o meu caso se transforme num gancho, no incio da causa pra novas conquistas na faculdade. A faculdade tem 2500 alunos e arrecada milhões por mês. Vai tudo pra mantenedora, a faculdade não fica com nada. A Faculdade isolada, mas ela tem por trás uma Fundação, que não pode ter lucros. Vocês tem que participar de todas as reuniões de verba, vocês precisam receber planilhas contábeis todo mês, descobrir onde está o ralo por onde esse dinheiro vai embora. Vocês tem que falar, brigar, mas não por mim, nem pelo Caio Túlio. Vocês tem que brigar pelos interesses de vocês, pelo ensino, pensando no futuro e, principalmente pra manter lá em cima o nome da Cásper Líbero, que sempre foi uma faculdade de renome, uma das melhores que tem no brasil e que agora tá descampando... Que é isso!Eu queria que esse movimento continuasse pra lutar pelos outros problemas. Os estudantes tinham que esquecer o Flosi, esquecer o Caio Túlio e lutar por mais participação.

CAVH – Através de que órgãos os estudantes poderiam ter mais atuação e cobrar a transparência?
EF – O Conselho Técnico Administrativo é o coração da Faculdade. Por cima dele só tem a Congregação, que só se reúne duas vezes por ano - o que não adianta nada. O corpo discente tem só 8 representantes na Congregação, e a Congregação tem 120 votos dos professores. 120 contra 8 não adianta nada! Nas reuniões do CTA tem 15 professores. São 15 votos contra um [do representante discente]. Isso é tapar o sol com a peneira! O corpo discente só terá participação efetiva participará se lutar por uma cogestão, por mais representantes nas decisões da Faculdade.

CAVH - Qual a relação da Fundação com o Ministério Público?
EF – O Ministério Público é o curador da Faculdade, eu sei que é. Vocês precisam pedir esclarecimentos : que fiscalização que ele tá exercendo nas contas da Faculdade? O Sérgio Felipe [Superintendente Geral da Fundação, Sérgio Felipe dos Santos] tem que prestar conta para vocês, a Mantenedora, de tudo que ele gasta, de tudo que ele faz.

CAVH – Como se dá a relação da Faculdade com a Mantenedora?
EF – A Mantenedora, pelo próprio Regimento Interno, não tem nada a ver com a Faculdade, com o ensino, com a parte pedagógica, nada, nada. Ela só tem a ver com dinheiro. Quando a Faculdade precisa fazer despesas, ela pede pra Mantenedora, a Mantenedora libera a verba. Faculdade arrecada tanto, manda tudo pra Mantenedora. Mas este dinheiro tem que voltar. E está voltando? Mentira! Claro que não. Vamos por quatro alunos, que um é pouco, para participar da cogestão, representando o Centro Acadêmico e participando das despesas e das receitas; aprovando as despesas e as receitas da Faculdade. Eles vão levar a sério isso porque aluno é jovem e jovem não se corrompe.

CAVH – Sabemos que houve uma redução do pagamento de horas/aula do TCC e que os professores não foram pagos em janeiro. Esse é um caso de interferência da Mantenedora?
EF – TCC é aula como qualquer outra aula. O professor deu aula de TCC o ano todo de 2011. Ele chega em janeiro, ele não tá faltando às aulas, ele tá em recesso. Recesso é previsto em lei. Você não pode mudar o ordenado do professor em recesso. Eles cortaram as aulas de TCC de janeiro e fevereiro. Cortaram por quê? Pra fazer economia, porque a Mantenedora quer ficar com o dinheiro.

CAVH – E esse é mais um caso em que a Faculdade poderia ter lutado pelos professores, não?
EF – Além de agredidos, [os professores] se sentiram prejudicados, porque foram receber o ordenado e tinham menos dinheiro. A Diretoria foi lutar por isso pra impedir esta agressão? Foi nada. Nada. Tem outros professores que eu não to autorizado a falar o nome, mas é de conhecimento amplo da Faculdade, que foram demitidos por questões medíocres, mentirosas. E também a Diretoria não lutou por nada, defendeu ninguém. Ela é uma Diretoria omissa.

CAVH – O que senhor gostaria de dizer algo aos alunos?
EF – Gostaria que você levasse todos estes esclarecimentos. Levanta também a cogestão.

CAVH - Professor, em nome da gestão Comunica e do Centro Vladimir Herzog, afirmo que nós estamos totalmente solidários ao senhor e que a gente se coloca à sua disposição como o seu canal para continuar conversando com os alunos – porque a gente acredita que isso é essencial. A gente vai ouvir as suas palavras e levá-las em frente como a dedicação que o senhor deu pra Faculdade todos esses anos e que, com certeza, a gente vai fazer acontecer. Se é um pedido do senhor, a gente vai levar pra frente.
EF – Ouvir isso, um velho de setenta e dois anos, de uma estudante não seja minha aluna... Muito obrigado mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário