quinta-feira, 26 de abril de 2012

Uma revolução tal qual a Leica

A segunda edição da revista Zum (Instituto Moreira Sales) traz neste semestre interessante material de guerra. Tratam-se de fotos do coletivo Basetrack, composto por dois fotógrafos húngaros, uma canadense e mais um inglês, que foi criado em 2010 para, juntos, acompanharem o cotidiano de um grupo de fuzileiros navais norte-americanos no Afeganistão.

O inovador desse projeto é que, no lugar de câmeras profissionais, os quatro viajantes foram munidos apenas com seus Iphones para fazerem o material de guerra. A ideia de acompanharem o dia a dia dos militares americanos somente com smartphones surgiu por conta da carência que as famílias desses vinham sentido.

A aproximação quase que irrestrita ao batalhão durou sete meses e foi acompanhada pelos familiares através das redes sociais. Dessa forma, nasceu um álbum que é um importante registro histórico, ao mesmo tempo em que não deixa de ser intimista e familiar. Coisa bem bacana mesmo (veja fotos mais abaixo).

Mas uma hora, é claro, a invasão de intimidade incomodou o governo norte-americano, e, aí, o coletivo teve que regressar do deserto.

Não é a primeira vez que se usa celular para registrar uma guerra. É cada vez mais recorrente o uso dessa ferramenta, principalmente devido à sua mobilidade, funcionalidade e sua facildade de compartilhamento de fotos. Praça Tahir no Cairo, Wall Street, na captura do ditador líbio Muammar Kadafi. Tal qual a portátil Leica do começo do século passado, os celulares de hoje tornaram-se importantes instrumentos de registro da História.




















Agora, coloco também aqui em baixo a coluna do Luis Fernando Veríssimo publicada hoje no Estadão. Achei que ela tem bastante a ver com o assunto. Pura coincidência.

Como imaginar uma orgia

26 de abril de 2012 | 3h 10
Verissimo - O Estado de S.Paulo
 
A minicâmera e o grampo telefônico ainda podem fazer mais pela moral na política do que toda a fiscalização e todos os mandamentos cristãos juntos. Supõe-se que depois dos escândalos recentemente grampeados as pessoas fiquem mais cautelosas, ou mais reticentes. Corruptos e corruptores continuarão a existir mas não agirão nem falarão mais tão livremente, pelo menos não antes de procurar a câmera e o microfone escondidos. O que deve no mínimo dificultar os negócios.

Os avanços da técnica revolucionaram o registro histórico. Imagine se quando o Kennedy foi assassinado já existissem os gravadores e os celulares que hoje substituem as câmeras fotográficas até no aniversário do cachorro. Em vez daquele precário filme em 8 mm do atentado, estudado e reestudado quadro a quadro na busca de vestígios de uma conspiração, haveriam teipes e fotos de todos os ângulos e com todas as respostas, como a cara, o nome e o CIC dos possíveis conspiradores.

Mas a técnica, ao mesmo tempo que desestimula a falcatrua, comprova a denúncia, desmancha o mistério e enriquece a notícia, pode empobrecer nossa percepção dos fatos. As grandes batalhas e os grandes eventos da era pré-fotográfica foram registrados em quadros épicos em que o artista ordenava a cena em função do efeito, não do fato, ou não exatamente do fato. A Primeira Guerra Mundial não foi mais terrível do que muitas guerras anteriores, só foi a primeira guerra filmada, a primeira com a imagem tremida e sem cor, e por isso parece tão mais feia do que as guerras heroicamente pintadas. A guerra do Vietnã foi a primeira transmitida pela tevê, a primeira em que o sangue respingou no tapete da sala. Por isso deu nojo. Os americanos aprenderam a lição e transformaram sua invasão do Iraque num videogame.

Até surgir a possibilidade de ser tecnicamente denunciado, o político corrupto podia contar com a condescendência do público. Mesmo quando não havia dúvidas quanto à sua corrupção, havia sempre a suspeita de que não era bem assim. Sua culpa - até se ouvir sua voz gravada combinando a divisão dos milhões, ou ver sua imagem forrando os sapatos com dinheiro - era sempre uma conjetura. Imaginávamos o que acontecia nos bastidores do poder corrupto mas era um pouco como imaginar uma orgia romana, ou visualizar uma orgia romana através da imaginação de um artista. Agora não. Com a banalização do grampo telefônico e da minicâmera escondida, temos o que faltava no quadro. Temos todos os sórdidos detalhes e a orgia às claras. Temos o que enoja.

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